Há exatos dois anos, a primeira Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural convidava os participantes a uma imersão por temas relacionados ao cérebro e ao sistema imune. Não foi diferente na segunda edição do evento, realizada nesta quinta-feira (11/08). O objetivo é colocar estudiosos relacionados ao sistema nervoso e imune para discutir aspectos do 'conhecer' e 'reconhecer' nos dois sistemas. A iniciativa, resultado de parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e a Academia Nacional de Medicina (ANM), debateu temas como ‘Visão neurocognitiva da psicoanálise’, ‘Psicofármacos para o aprimoramento cognitivo’ e ‘A distinção entre o próprio e o não próprio pelo sistema imune específico’. A jornada conta com patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Capes, além de contar com apoio da revista Neurociências.
Foto: Gutemberg Brito
O público, que marcou presença no anfiteatro da Academia Nacional de Medicina, participou ativamente fazendo perguntas e expondo opiniões junto aos conferencistas do evento.
Neurônios e genética
Os fenômenos elétricos e bioquímicos que ocorrem no sistema nervoso foi o tom da palestra ‘Plasticidade sináptica como substrato da cognição neural’, de Ricardo Augusto de Melo Reis (UFRJ). O conferencista afirmou que as interlocuções entre os neurônios aumentam de acordo com o avanço da idade dos indivíduos, contribuindo para o desenvolvimento cerebral. No princípio da vida humana, os genes que ganhamos dos nossos genitores são, numa primeira fase, importantes no desenvolvimento neural. Com o passar dos anos, as conexões sinápticas são refinadas por experiências sensoriais e motoras e contribuem para o desenvolvimento do cérebro, conta. Segundo o pesquisador, no pico da época embrionária (e em condições normais da saúde da mãe), são gerados em média 250 mil neurônios por minuto. O palestrante enfatizou o risco potencial do uso da Cannabis sativa em mulheres grávidas.
Foto: Gutemberg Brito
O biólogo Ricardo Augusto de Melo Reis, que participou pela primeira vez, ficou muito agradecido com o convite da organização do evento. Ter liberdade de expressão num ambiente onde você pode trocar conhecimento é fundamental para todos nós", disse.
Ao longo da manhã houve uma série de apresentações. O cientista Nelson Monteiro Vaz (UFMG) ministrou a palestra 'Imunologia e intencionalidade'. Em seguida, foi a vez de Sidarta Tolledal Gomes Ribeiro (UFRN) apresentar o trabalho 'Visão neurocognitiva da psicoanálise'. Alberto Nóbrega, pesquisador da UFRJ, falou sobre 'Atividade imunológica natural’. Ricardo Augusto de Melo Reis (UFRJ) fechou a primeira parte do evento.
Parasitas e hospedeiros
Diante de uma plateia de pesquisadores, professores e estudantes, foi apresentado à tarde o tema ‘A recorrente composição antigênica do universo biológico e o desafio da tolerância aos autoantígenos’, do imunologista do IOC, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro. De acordo com o especialista, parasitos e hospedeiros podem, do ponto de vista de suas composições em proteínas, portanto em antígenos, ser parecidos.
Foto: Gutemberg Brito
Chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária e pesquisador do IOC, o médico Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro é o idealizador da Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural.
O pesquisador chamou atenção para o fenômeno de mimetismo molecular que consiste no compartilhamento antigênico entre parasitas e seus hospedeiros e pode resultar no benefício dos parasitos, "uma vez que, estes, assemelhando-se antigenicamente aos hospedeiros, têm menos chances de serem reconhecidos imunologicamente e 'expulsos'", afirma. "A coevolução de parasitos e hospedeiros que tendem simultaneamente a se adequar e vencer as barreiras que uns impõem à sobrevivência dos outros, resultou na proposta da hipótese da Rainha Vermelha (pelo biologista evolucionista Van Leiden) inspirada no conselho que esta dá à Alice, no livro 'Alice no País dos Espelhos': a "correr o máximo que pode para ficar no mesmo lugar", explica. A hipótese é utilizada para descrever situações nas quais há uma constante taxa de mudança evolucionária em resposta a um ambiente em contínua transformação. De acordo com Cláudio, a ilustração deste fenômeno pode ser encontrada na coevolução tanto de parasitos e seus hospedeiros e de quanto de predadores e suas presas, como por exemplo, na coexistência de uma espécie de serpente e uma pequena salamandra, que tem uma potente neurotoxina em sua pele, em regiões da América do Norte e Central. "A salamandra tem o veneno cada vez mais tóxico em sua pele e a serpente adapta-se cada vez mais para tolerar essa toxina", finaliza.
Para apresentar a palestra, o pesquisador analisou artigos sobre micro-organismos com semelhanças antigênicas publicados por diversos cientistas durante diferentes períodos do século XX e na atualidade.
Outros pesquisadores também ministraram palestras dando continuidade ao evento, como Luiz Carlos de Lima Silveira e José Luiz Martins do Nascimento, ambos da UFPA, e Marcelo Barcinski e Jorge Kalil, da USP, que finalizaram a Jornada apresentando suas falas na sessão ordinária da Academia Nacional de Medicina.
Avaliação
O idealizador do evento, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, que organizou a segunda Jornada junto com o neurocientista José Luiz Martins do Nascimento, da Universidade Federal do Pará (UFPA), comentou sobre as motivações de organizar a Jornada. Não sei se é necessário termos uma finalidade para todas as coisas que fazemos, mas, com certeza, em muitos casos, temos uma boa justificativa. No caso da Jornada, uma delas é aprender com a sua organização e realização. Já consideramos transformar a próxima Jornada em um simpósio de dois dias para termos um espaço para melhor aproveitamento das discussões", avaliou.
Aprendizado
De olho no futuro, o estudante do 6º período de Biofísica da UFRJ e bolsista do Laboratório de Bioenergética, Thiago Cordeiro Moulin, avaliou o evento como uma janela para aprofundar o conhecimento de técnicas que possam ser utilizadas por ele no dia-a-dia do laboratório.
Foto: Gutemberg Brito
Com apenas 20 anos e cheio de energia o aluno de graduação Thiago Cordeiro Moulin afirmou ter aproveitado bastante o dia dedicado exclusivamente à jornada científica.
Achei muito interessantes os temas que os conferencistas apresentaram nas palestras e a interdisciplinaridade de duas áreas distintas, relatou o aluno que estuda a memória e tem como orientador o professor adjunto do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, Olavo Bohrer Amaral, que por sua vez é discípulo de Ivan Izquierdo, um dos pioneiros no estudo da neurobiologia da memória e do aprendizado.
João Paulo Soldati
12/08/2011
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Há exatos dois anos, a primeira Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural convidava os participantes a uma imersão por temas relacionados ao cérebro e ao sistema imune. Não foi diferente na segunda edição do evento, realizada nesta quinta-feira (11/08). O objetivo é colocar estudiosos relacionados ao sistema nervoso e imune para discutir aspectos do 'conhecer' e 'reconhecer' nos dois sistemas. A iniciativa, resultado de parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e a Academia Nacional de Medicina (ANM), debateu temas como ‘Visão neurocognitiva da psicoanálise’, ‘Psicofármacos para o aprimoramento cognitivo’ e ‘A distinção entre o próprio e o não próprio pelo sistema imune específico’. A jornada conta com patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Capes, além de contar com apoio da revista Neurociências.
Foto: Gutemberg Brito
O público, que marcou presença no anfiteatro da Academia Nacional de Medicina, participou ativamente fazendo perguntas e expondo opiniões junto aos conferencistas do evento.
Neurônios e genética
Os fenômenos elétricos e bioquímicos que ocorrem no sistema nervoso foi o tom da palestra ‘Plasticidade sináptica como substrato da cognição neural’, de Ricardo Augusto de Melo Reis (UFRJ). O conferencista afirmou que as interlocuções entre os neurônios aumentam de acordo com o avanço da idade dos indivíduos, contribuindo para o desenvolvimento cerebral. No princípio da vida humana, os genes que ganhamos dos nossos genitores são, numa primeira fase, importantes no desenvolvimento neural. Com o passar dos anos, as conexões sinápticas são refinadas por experiências sensoriais e motoras e contribuem para o desenvolvimento do cérebro, conta. Segundo o pesquisador, no pico da época embrionária (e em condições normais da saúde da mãe), são gerados em média 250 mil neurônios por minuto. O palestrante enfatizou o risco potencial do uso da Cannabis sativa em mulheres grávidas.
Foto: Gutemberg Brito
O biólogo Ricardo Augusto de Melo Reis, que participou pela primeira vez, ficou muito agradecido com o convite da organização do evento. Ter liberdade de expressão num ambiente onde você pode trocar conhecimento é fundamental para todos nós", disse.
Ao longo da manhã houve uma série de apresentações. O cientista Nelson Monteiro Vaz (UFMG) ministrou a palestra 'Imunologia e intencionalidade'. Em seguida, foi a vez de Sidarta Tolledal Gomes Ribeiro (UFRN) apresentar o trabalho 'Visão neurocognitiva da psicoanálise'. Alberto Nóbrega, pesquisador da UFRJ, falou sobre 'Atividade imunológica natural’. Ricardo Augusto de Melo Reis (UFRJ) fechou a primeira parte do evento.
Parasitas e hospedeiros
Diante de uma plateia de pesquisadores, professores e estudantes, foi apresentado à tarde o tema ‘A recorrente composição antigênica do universo biológico e o desafio da tolerância aos autoantígenos’, do imunologista do IOC, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro. De acordo com o especialista, parasitos e hospedeiros podem, do ponto de vista de suas composições em proteínas, portanto em antígenos, ser parecidos.
Foto: Gutemberg Brito
Chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária e pesquisador do IOC, o médico Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro é o idealizador da Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural.
O pesquisador chamou atenção para o fenômeno de mimetismo molecular que consiste no compartilhamento antigênico entre parasitas e seus hospedeiros e pode resultar no benefício dos parasitos, "uma vez que, estes, assemelhando-se antigenicamente aos hospedeiros, têm menos chances de serem reconhecidos imunologicamente e 'expulsos'", afirma. "A coevolução de parasitos e hospedeiros que tendem simultaneamente a se adequar e vencer as barreiras que uns impõem à sobrevivência dos outros, resultou na proposta da hipótese da Rainha Vermelha (pelo biologista evolucionista Van Leiden) inspirada no conselho que esta dá à Alice, no livro 'Alice no País dos Espelhos': a "correr o máximo que pode para ficar no mesmo lugar", explica. A hipótese é utilizada para descrever situações nas quais há uma constante taxa de mudança evolucionária em resposta a um ambiente em contínua transformação. De acordo com Cláudio, a ilustração deste fenômeno pode ser encontrada na coevolução tanto de parasitos e seus hospedeiros e de quanto de predadores e suas presas, como por exemplo, na coexistência de uma espécie de serpente e uma pequena salamandra, que tem uma potente neurotoxina em sua pele, em regiões da América do Norte e Central. "A salamandra tem o veneno cada vez mais tóxico em sua pele e a serpente adapta-se cada vez mais para tolerar essa toxina", finaliza.
Para apresentar a palestra, o pesquisador analisou artigos sobre micro-organismos com semelhanças antigênicas publicados por diversos cientistas durante diferentes períodos do século XX e na atualidade.
Outros pesquisadores também ministraram palestras dando continuidade ao evento, como Luiz Carlos de Lima Silveira e José Luiz Martins do Nascimento, ambos da UFPA, e Marcelo Barcinski e Jorge Kalil, da USP, que finalizaram a Jornada apresentando suas falas na sessão ordinária da Academia Nacional de Medicina.
Avaliação
O idealizador do evento, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, que organizou a segunda Jornada junto com o neurocientista José Luiz Martins do Nascimento, da Universidade Federal do Pará (UFPA), comentou sobre as motivações de organizar a Jornada. Não sei se é necessário termos uma finalidade para todas as coisas que fazemos, mas, com certeza, em muitos casos, temos uma boa justificativa. No caso da Jornada, uma delas é aprender com a sua organização e realização. Já consideramos transformar a próxima Jornada em um simpósio de dois dias para termos um espaço para melhor aproveitamento das discussões", avaliou.
Aprendizado
De olho no futuro, o estudante do 6º período de Biofísica da UFRJ e bolsista do Laboratório de Bioenergética, Thiago Cordeiro Moulin, avaliou o evento como uma janela para aprofundar o conhecimento de técnicas que possam ser utilizadas por ele no dia-a-dia do laboratório.
Foto: Gutemberg Brito
Com apenas 20 anos e cheio de energia o aluno de graduação Thiago Cordeiro Moulin afirmou ter aproveitado bastante o dia dedicado exclusivamente à jornada científica.
Achei muito interessantes os temas que os conferencistas apresentaram nas palestras e a interdisciplinaridade de duas áreas distintas, relatou o aluno que estuda a memória e tem como orientador o professor adjunto do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, Olavo Bohrer Amaral, que por sua vez é discípulo de Ivan Izquierdo, um dos pioneiros no estudo da neurobiologia da memória e do aprendizado.
João Paulo Soldati
12/08/2011
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Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)