Estudo coordenado pela Fiocruz aponta vulnerabilidade de municípios da caatinga diante da tendência de desertificação da região
Veja o mapa ampliado da região estudada
Mais calor e menos chuva
Com base em dados do Instituto Nacional de Estudos Espaciais (Inpe), os pesquisadores identificaram as possíveis alterações de temperatura e de volume de chuvas para cada um dos 84 municípios nos próximos 25 anos considerando dois cenários de futuro: um cenário com redução nas emissões de gases do efeito estufa e menor aquecimento global, e outro que considera a progressão contínua dessas emissões e maior impacto no clima. Para 2040, a previsão é de que a média de temperatura na região suba no mínimo 0,98°C e no máximo 1,75°C. Ao mesmo tempo, o volume de chuvas anual deve cair entre 101 mm e 172 mm no conjunto dos municípios. Além da tendência geral de clima mais quente e seco, os índices apontam para a possibilidade de mudanças extremas. A cidade de Buritirama pode ficar 2,13°C mais quente. Já em Urandi, a queda na precipitação pode ser de 438 mm.
Calcular o impacto das alterações de chuvas e temperatura em cada cidade é apenas uma das etapas para determinar a vulnerabilidade da população às mudanças climáticas. Segundo Martha, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (chamado de IPCC, na sigla em inglês) define a vulnerabilidade como a propensão a sofrer danos. Esta é influenciada pelo nível de exposição, pela sensibilidade e pela capacidade de adaptação da população ao fator de perigo. No estudo, consideramos que o nível de exposição é apontado pelas características ambientais, a sensibilidade pode ser percebida pela ocorrência de certas doenças, a capacidade de reação é indicada pelo perfil socioeconômico do município e o fator de perigo é a possível mudança do clima, enumera a pesquisadora.
Fatores de vulnerabilidade
Dessa forma, seguindo a metodologia desenvolvida na Fiocruz, o Índice de Vulnerabilidade Municipal é calculado a partir de quatro fatores. A situação da saúde é avaliada pela ocorrência de doenças de notificação obrigatória na área de estudo que podem sofrer impactos do clima, incluindo os registros de dengue, leishmanioses, esquistossomose e acidentes com animais peçonhentos, além das mortes causadas por diarreia em crianças menores de cinco anos. Os aspectos ambientais são analisados considerando a preservação da biodiversidade, a disponibilidade de recursos hídricos, a situação do solo e a frequência de eventos hidrometeorológicos extremos, como secas e enchentes, com e sem vítimas fatais. Já as características socioeconômicas são apontadas por indicadores oficiais, além de informações sobre as condições de saneamento local, incluindo rede de esgoto e coleta de lixo. Por fim, as previsões climáticas são inseridas na fórmula, dando origem ao Índice de Vulnerabilidade Municipal, que varia de zero a um de acordo com a padronização realizada pelos pesquisadores e aponta o risco de danos para a população devidos às mudanças do clima. O objetivo é que este indicador seja um alerta para os gestores. Eles podem observar os fatores mais relevantes para a vulnerabilidade em cada cidade e direcionar investimentos que previnam ou minimizem os problemas, explica a pesquisadora da Ensp Diana Marinho, coordenadora-executiva do trabalho.
Entre os 84 municípios analisados na Bahia, 34 foram classificados nas faixas de maior vulnerabilidade mesmo no melhor cenário climático. Já considerando as piores previsões para o clima, o número de cidades com vulnerabilidade alta ou muito alta chegou a 40. A maioria das cidades nesta situação está concentrada entre o oeste e o sul da região estudada, em uma área que vai de Campo Alegre de Lourdes até Mortugaba. Neste trecho, os cientistas preveem os maiores impactos do aquecimento global, tornando o clima extremamente quente e seco. Entre as cidades mais vulneráveis estão os municípios de Urandi e Rio do Pires, que revelam como os diferentes fatores contribuem para o problema: de um lado as falhas na saúde e a degradação ambiental deixam a população exposta, de outro as fortes mudanças do clima representam uma grande ameaça. O resultado é uma população com muito alta propensão a sofrer danos no futuro caso medidas de adaptação, que reduzam a vulnerabilidade da população, não sejam adotadas.
Contribuição para enfrentar os riscos
Além de oferecer um panorama geral sobre a situação futura dos municípios, o estudo traz detalhes de cada indicador, o que pode ajudar as autoridades a orientar suas ações. Na saúde, seis cidades apresentaram valores muito altos de vulnerabilidade: Uibaí, que registra a maior taxa de esquistossomose; Barra do Mendes, que possui altos índices de esquistossomose e leishmaniose visceral; Mulungu do Morro, que contabiliza casos de todas as doenças pesquisadas; Guanambi, que tem a maior taxa de leishmaniose visceral; Irecê, que registra altos índices de dengue e esquistossomose; e Urandi, que tem o maior número de acidentes com animais peçonhentos. Para o perfil socioeconômico, as cidades com maior vulnerabilidade são Pedro Alexandre, Pilão Arcado e Bonito, enquanto os municípios em menor vulnerabilidade são Paulo Afonso, Irecê, Guanambi, Jaguarari e Juazeiro. Já em relação às condições ambientais, os municípios de Abaré e Gentio do Ouro apresentaram problemas em todos os critérios analisados e são considerados em situação crítica de vulnerabilidade.
Os pesquisadores ressaltam que combater os fatores de vulnerabilidade é uma forma de preparar as cidades para enfrentar as mudanças climáticas no futuro. Problemas de saúde e de condições socioeconômicas que já existem devem ser agravados pelas mudanças do clima. As cidades precisam de investimentos para dar à população condições de lidar com eventos extremos, como a seca que deve se intensificar na região, avalia Diana. Além disso, embora os efeitos das mudanças climáticas devam ser mais graves na parte oeste e sul da área estudada, os autores destacam que condições de vulnerabilidade foram identificadas de forma disseminada. O município menos vulnerável da região é Paulo Afonso, que constitui um pólo econômico por causa da hidrelétrica. No entanto, ao lado deste município, está Jeremoabo, que tem alta vulnerabilidade considerando as condições socioeconômicas, ambientais e de saúde. Esse é um ponto relevante porque o poder público pode trabalhar para que as áreas mais desenvolvidas influenciem as cidades do entorno, relata Martha.
Foto da capa: Reservatório de Sobradinho vive a maior seca de sua história, por Marcello Casal Jr/Agência Brasil - Licença Creative Commons Atribuição 3.0
Reportagem: Maíra Menezes 28/01/2016
Estudo coordenado pela Fiocruz aponta vulnerabilidade de municípios da caatinga diante da tendência de desertificação da região
Veja o mapa ampliado da região estudada
Mais calor e menos chuva
Com base em dados do Instituto Nacional de Estudos Espaciais (Inpe), os pesquisadores identificaram as possíveis alterações de temperatura e de volume de chuvas para cada um dos 84 municípios nos próximos 25 anos considerando dois cenários de futuro: um cenário com redução nas emissões de gases do efeito estufa e menor aquecimento global, e outro que considera a progressão contínua dessas emissões e maior impacto no clima. Para 2040, a previsão é de que a média de temperatura na região suba no mínimo 0,98°C e no máximo 1,75°C. Ao mesmo tempo, o volume de chuvas anual deve cair entre 101 mm e 172 mm no conjunto dos municípios. Além da tendência geral de clima mais quente e seco, os índices apontam para a possibilidade de mudanças extremas. A cidade de Buritirama pode ficar 2,13°C mais quente. Já em Urandi, a queda na precipitação pode ser de 438 mm.
Calcular o impacto das alterações de chuvas e temperatura em cada cidade é apenas uma das etapas para determinar a vulnerabilidade da população às mudanças climáticas. Segundo Martha, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (chamado de IPCC, na sigla em inglês) define a vulnerabilidade como a propensão a sofrer danos. Esta é influenciada pelo nível de exposição, pela sensibilidade e pela capacidade de adaptação da população ao fator de perigo. No estudo, consideramos que o nível de exposição é apontado pelas características ambientais, a sensibilidade pode ser percebida pela ocorrência de certas doenças, a capacidade de reação é indicada pelo perfil socioeconômico do município e o fator de perigo é a possível mudança do clima, enumera a pesquisadora.
Fatores de vulnerabilidade
Dessa forma, seguindo a metodologia desenvolvida na Fiocruz, o Índice de Vulnerabilidade Municipal é calculado a partir de quatro fatores. A situação da saúde é avaliada pela ocorrência de doenças de notificação obrigatória na área de estudo que podem sofrer impactos do clima, incluindo os registros de dengue, leishmanioses, esquistossomose e acidentes com animais peçonhentos, além das mortes causadas por diarreia em crianças menores de cinco anos. Os aspectos ambientais são analisados considerando a preservação da biodiversidade, a disponibilidade de recursos hídricos, a situação do solo e a frequência de eventos hidrometeorológicos extremos, como secas e enchentes, com e sem vítimas fatais. Já as características socioeconômicas são apontadas por indicadores oficiais, além de informações sobre as condições de saneamento local, incluindo rede de esgoto e coleta de lixo. Por fim, as previsões climáticas são inseridas na fórmula, dando origem ao Índice de Vulnerabilidade Municipal, que varia de zero a um de acordo com a padronização realizada pelos pesquisadores e aponta o risco de danos para a população devidos às mudanças do clima. O objetivo é que este indicador seja um alerta para os gestores. Eles podem observar os fatores mais relevantes para a vulnerabilidade em cada cidade e direcionar investimentos que previnam ou minimizem os problemas, explica a pesquisadora da Ensp Diana Marinho, coordenadora-executiva do trabalho.
Entre os 84 municípios analisados na Bahia, 34 foram classificados nas faixas de maior vulnerabilidade mesmo no melhor cenário climático. Já considerando as piores previsões para o clima, o número de cidades com vulnerabilidade alta ou muito alta chegou a 40. A maioria das cidades nesta situação está concentrada entre o oeste e o sul da região estudada, em uma área que vai de Campo Alegre de Lourdes até Mortugaba. Neste trecho, os cientistas preveem os maiores impactos do aquecimento global, tornando o clima extremamente quente e seco. Entre as cidades mais vulneráveis estão os municípios de Urandi e Rio do Pires, que revelam como os diferentes fatores contribuem para o problema: de um lado as falhas na saúde e a degradação ambiental deixam a população exposta, de outro as fortes mudanças do clima representam uma grande ameaça. O resultado é uma população com muito alta propensão a sofrer danos no futuro caso medidas de adaptação, que reduzam a vulnerabilidade da população, não sejam adotadas.
Contribuição para enfrentar os riscos
Além de oferecer um panorama geral sobre a situação futura dos municípios, o estudo traz detalhes de cada indicador, o que pode ajudar as autoridades a orientar suas ações. Na saúde, seis cidades apresentaram valores muito altos de vulnerabilidade: Uibaí, que registra a maior taxa de esquistossomose; Barra do Mendes, que possui altos índices de esquistossomose e leishmaniose visceral; Mulungu do Morro, que contabiliza casos de todas as doenças pesquisadas; Guanambi, que tem a maior taxa de leishmaniose visceral; Irecê, que registra altos índices de dengue e esquistossomose; e Urandi, que tem o maior número de acidentes com animais peçonhentos. Para o perfil socioeconômico, as cidades com maior vulnerabilidade são Pedro Alexandre, Pilão Arcado e Bonito, enquanto os municípios em menor vulnerabilidade são Paulo Afonso, Irecê, Guanambi, Jaguarari e Juazeiro. Já em relação às condições ambientais, os municípios de Abaré e Gentio do Ouro apresentaram problemas em todos os critérios analisados e são considerados em situação crítica de vulnerabilidade.
Os pesquisadores ressaltam que combater os fatores de vulnerabilidade é uma forma de preparar as cidades para enfrentar as mudanças climáticas no futuro. Problemas de saúde e de condições socioeconômicas que já existem devem ser agravados pelas mudanças do clima. As cidades precisam de investimentos para dar à população condições de lidar com eventos extremos, como a seca que deve se intensificar na região, avalia Diana. Além disso, embora os efeitos das mudanças climáticas devam ser mais graves na parte oeste e sul da área estudada, os autores destacam que condições de vulnerabilidade foram identificadas de forma disseminada. O município menos vulnerável da região é Paulo Afonso, que constitui um pólo econômico por causa da hidrelétrica. No entanto, ao lado deste município, está Jeremoabo, que tem alta vulnerabilidade considerando as condições socioeconômicas, ambientais e de saúde. Esse é um ponto relevante porque o poder público pode trabalhar para que as áreas mais desenvolvidas influenciem as cidades do entorno, relata Martha.
Foto da capa: Reservatório de Sobradinho vive a maior seca de sua história, por Marcello Casal Jr/Agência Brasil - Licença Creative Commons Atribuição 3.0
Reportagem: Maíra Menezes 28/01/2016
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)