Uma nota técnica publicada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) apresenta procedimentos para avaliação do risco associado à contaminação por arsênio em pescado destinado ao consumo humano.
Elaborada por especialistas do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC, a nota é baseada na análise crítica da literatura científica e em recomendações de entidades internacionais como Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) e Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras.
:: Acesse a Nota Técnica.
O arsênio é um metal presente na crosta terrestre, que pode alcançar fontes de água e alimentos através de processos naturais, como erupção vulcânica e dissolução de minerais, e da ação humana, incluindo atividades como fundição de metais, queima de carvão, mineração e uso de pesticidas agrícolas.
O composto pode ser encontrado em duas configurações químicas: orgânica (na qual o metal está associado com moléculas de carbono) e inorgânica (em que o metal se apresenta em forma iônica, livre dessas moléculas).
De forma geral, o arsênio orgânico não representa risco para a saúde humana, embora alguns estudos indiquem que esta forma do composto pode causar danos ao DNA.
Os efeitos tóxicos para o organismo humano estão associados com a ingestão de arsênio inorgânico, que, dependendo da dose, por causar lesões na pele, nos nervos, alterações gastrointestinais e cardiovasculares, câncer e outros prejuízos.
Quando ingerem moléculas de arsênio que chegam a corpos d’água, os peixes convertem a maior parte do composto em arsênio orgânico. Porém, uma fração do metal permanece na forma inorgânica e pode provocar efeitos adversos em consumidores.
Neste cenário, a nota técnica recomenda diferentes abordagens para avaliar o risco da contaminação em pescado: análise de especiação química, que permite diferenciar entre arsênio orgânico e inorgânico; dosagem da concentração total do metal; e cálculo de indicadores de risco internacionalmente reconhecidos.
Uma das autoras do documento, a pesquisadora Rachel Ann Hauser-Davis ressalta que as diferentes metodologias constituem ferramentas robustas para estimar riscos associados à ingestão crônica de arsênio.
“A especiação química é importante para determinar a concentração de arsênio inorgânico, mas é uma análise cara e demorada, que pode não ser viável no monitoramento de rotina. Com base na literatura científica e nas recomendações de diversas entidades, a análise baseada na concentração total de arsênio é amplamente utilizada e válida para a avaliação de risco, principalmente associada ao cálculo dos indicadores recomendados”, declara Rachel.
O documento aponta que, de forma conservadora, pode-se considerar que até em torno de 10% do arsênio total no pescado corresponde à forma inorgânica, embora esse percentual possa variar dependendo de características dos animais.
Cinco indicadores são recomendados para estimar a ingestão diária e semanal de arsênio e calcular os riscos à saúde de forma geral, de câncer e da exposição combinada com outros contaminantes.
Segundo a pesquisadora, os cálculos contemplam aspectos como o fator de risco ligado à toxicidade do arsênio, estipulado por entidades internacionais; o volume de pescado ingerido por semana; e o peso médio do consumidor.
A nota aponta ainda a relevância de análises regionalizadas e segmentadas por faixa etária e sexo.
“O Brasil é um país muito diverso e algumas populações consomem muito mais peixe do que outras. Em relação às diferentes faixas etárias, o peso e outros aspectos biológicos influenciam nos efeitos dos metais. Bebês e crianças, por exemplo, têm peso menor e são mais sensíveis à contaminação por estarem em desenvolvimento”, observa Rachel.
Também autora da Nota Técnica, a pesquisadora Clélia Christina Mello Silva, chefe do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC, salienta a importância do documento para padronizar protocolos, contribuindo para o avanço do monitoramento da contaminação ambiental.
“Somos um laboratório que preza pela Saúde Única ou Uma Só Saúde (interseção da saúde ambiental, animal e humana). É nossa vocação avaliar como contaminantes ambientais vão repercutir na saúde humana e animal, fortalecendo o monitoramento com base em evidências científicas. A partir dessa nota técnica, outras organizações podem fazer análises e gerar subsídios para a conservação e a promoção da saúde”, afirma Clelia, adiantando que outras notas técnicas sobre poluentes ambientais devem ser publicadas pelo grupo em breve.
Nos últimos anos, o Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC publicou diversos estudos sobre contaminação por metais em pescado, especialmente em tubarões e raias, que são vendidos para consumo humano com o nome popular de cação.
Dentre os trabalhos, dois artigos contemplaram a contaminação por arsênio, entre outros metais. Em estudo divulgado na revista Journal of Trace Elements in Medicine and Biology, os pesquisadores analisaram amostras de 28 raias-manteiga (Dasyatis hypostigma) coletadas no Rio de Janeiro. A concentração média de arsênio detectada foi de 17 mg por quilo de carne das raias, com grande variação entre os indivíduos, que apresentaram desde 0,4 até 58 mg do metal por quilo.
Em artigo publicado na revista Biological Trace Element Research foram analisadas amostras de 61 tubarões-mako (Isurus oxyrinchus) coletados em São Paulo. Os animais apresentaram, em média, 3,4 mg de arsênio por quilo. A concentração individual variou entre 0,3 e 4,5 mg por quilo.
As análises caracterizaram riscos para a saúde humana dependendo da frequência de consumo, da faixa etária e sexo do consumidor e da presença combinada de outros contaminantes nos animais.
Em abril deste ano, a equipe atuou ainda em análises em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que apontaram contaminação por metais, incluindo arsênio, em duas cargas importadas de tubarão-azul (Prionace glauca) que chegaram ao porto do Rio de Janeiro e seriam vendidas para consumo humano.
Os níveis de arsênio detectados variaram entre 7 e 14 mg por quilo de pescado. Considerando o consumo médio de pescado no Brasil, foi apontado risco potencial à saúde humana, incluindo risco carcinogênico, além de riscos associados com a presença de outros metais tóxicos nas amostras.
*Imagem de capa: Tubarão da espécie Rhizoprionodon lalandii em análise no Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental. Foto: Divulgação
Uma nota técnica publicada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) apresenta procedimentos para avaliação do risco associado à contaminação por arsênio em pescado destinado ao consumo humano.
Elaborada por especialistas do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC, a nota é baseada na análise crítica da literatura científica e em recomendações de entidades internacionais como Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) e Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras.
:: Acesse a Nota Técnica.
O arsênio é um metal presente na crosta terrestre, que pode alcançar fontes de água e alimentos através de processos naturais, como erupção vulcânica e dissolução de minerais, e da ação humana, incluindo atividades como fundição de metais, queima de carvão, mineração e uso de pesticidas agrícolas.
O composto pode ser encontrado em duas configurações químicas: orgânica (na qual o metal está associado com moléculas de carbono) e inorgânica (em que o metal se apresenta em forma iônica, livre dessas moléculas).
De forma geral, o arsênio orgânico não representa risco para a saúde humana, embora alguns estudos indiquem que esta forma do composto pode causar danos ao DNA.
Os efeitos tóxicos para o organismo humano estão associados com a ingestão de arsênio inorgânico, que, dependendo da dose, por causar lesões na pele, nos nervos, alterações gastrointestinais e cardiovasculares, câncer e outros prejuízos.
Quando ingerem moléculas de arsênio que chegam a corpos d’água, os peixes convertem a maior parte do composto em arsênio orgânico. Porém, uma fração do metal permanece na forma inorgânica e pode provocar efeitos adversos em consumidores.
Neste cenário, a nota técnica recomenda diferentes abordagens para avaliar o risco da contaminação em pescado: análise de especiação química, que permite diferenciar entre arsênio orgânico e inorgânico; dosagem da concentração total do metal; e cálculo de indicadores de risco internacionalmente reconhecidos.
Uma das autoras do documento, a pesquisadora Rachel Ann Hauser-Davis ressalta que as diferentes metodologias constituem ferramentas robustas para estimar riscos associados à ingestão crônica de arsênio.
“A especiação química é importante para determinar a concentração de arsênio inorgânico, mas é uma análise cara e demorada, que pode não ser viável no monitoramento de rotina. Com base na literatura científica e nas recomendações de diversas entidades, a análise baseada na concentração total de arsênio é amplamente utilizada e válida para a avaliação de risco, principalmente associada ao cálculo dos indicadores recomendados”, declara Rachel.
O documento aponta que, de forma conservadora, pode-se considerar que até em torno de 10% do arsênio total no pescado corresponde à forma inorgânica, embora esse percentual possa variar dependendo de características dos animais.
Cinco indicadores são recomendados para estimar a ingestão diária e semanal de arsênio e calcular os riscos à saúde de forma geral, de câncer e da exposição combinada com outros contaminantes.
Segundo a pesquisadora, os cálculos contemplam aspectos como o fator de risco ligado à toxicidade do arsênio, estipulado por entidades internacionais; o volume de pescado ingerido por semana; e o peso médio do consumidor.
A nota aponta ainda a relevância de análises regionalizadas e segmentadas por faixa etária e sexo.
“O Brasil é um país muito diverso e algumas populações consomem muito mais peixe do que outras. Em relação às diferentes faixas etárias, o peso e outros aspectos biológicos influenciam nos efeitos dos metais. Bebês e crianças, por exemplo, têm peso menor e são mais sensíveis à contaminação por estarem em desenvolvimento”, observa Rachel.
Também autora da Nota Técnica, a pesquisadora Clélia Christina Mello Silva, chefe do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC, salienta a importância do documento para padronizar protocolos, contribuindo para o avanço do monitoramento da contaminação ambiental.
“Somos um laboratório que preza pela Saúde Única ou Uma Só Saúde (interseção da saúde ambiental, animal e humana). É nossa vocação avaliar como contaminantes ambientais vão repercutir na saúde humana e animal, fortalecendo o monitoramento com base em evidências científicas. A partir dessa nota técnica, outras organizações podem fazer análises e gerar subsídios para a conservação e a promoção da saúde”, afirma Clelia, adiantando que outras notas técnicas sobre poluentes ambientais devem ser publicadas pelo grupo em breve.
Nos últimos anos, o Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC publicou diversos estudos sobre contaminação por metais em pescado, especialmente em tubarões e raias, que são vendidos para consumo humano com o nome popular de cação.
Dentre os trabalhos, dois artigos contemplaram a contaminação por arsênio, entre outros metais. Em estudo divulgado na revista Journal of Trace Elements in Medicine and Biology, os pesquisadores analisaram amostras de 28 raias-manteiga (Dasyatis hypostigma) coletadas no Rio de Janeiro. A concentração média de arsênio detectada foi de 17 mg por quilo de carne das raias, com grande variação entre os indivíduos, que apresentaram desde 0,4 até 58 mg do metal por quilo.
Em artigo publicado na revista Biological Trace Element Research foram analisadas amostras de 61 tubarões-mako (Isurus oxyrinchus) coletados em São Paulo. Os animais apresentaram, em média, 3,4 mg de arsênio por quilo. A concentração individual variou entre 0,3 e 4,5 mg por quilo.
As análises caracterizaram riscos para a saúde humana dependendo da frequência de consumo, da faixa etária e sexo do consumidor e da presença combinada de outros contaminantes nos animais.
Em abril deste ano, a equipe atuou ainda em análises em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que apontaram contaminação por metais, incluindo arsênio, em duas cargas importadas de tubarão-azul (Prionace glauca) que chegaram ao porto do Rio de Janeiro e seriam vendidas para consumo humano.
Os níveis de arsênio detectados variaram entre 7 e 14 mg por quilo de pescado. Considerando o consumo médio de pescado no Brasil, foi apontado risco potencial à saúde humana, incluindo risco carcinogênico, além de riscos associados com a presença de outros metais tóxicos nas amostras.
*Imagem de capa: Tubarão da espécie Rhizoprionodon lalandii em análise no Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental. Foto: Divulgação
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)