
Quando, afinal, começou a ciência no Brasil? A pergunta, aparentemente simples, foi o fio condutor do terceiro dia de atividades do 4º ato do Simpósio IOC Jubileu 125 anos, realizado em 9 de dezembro, no auditório Emmanuel Dias, no campus de Manguinhos (RJ).
Apresentada pelo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Olival Freire Junior, a palestra ‘Ciência e tecnologia na história do Brasil: os 125 anos do Instituto Oswaldo Cruz no contexto da história da ciência no Brasil’ mostrou como o IOC ocupa um lugar singular na formação do sistema científico brasileiro, justamente por ter surgido na transição entre dois séculos.
O encontro foi mediado pela pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Magali Romero Sá, e apresentado pela diretora do IOC, Tania Araujo-Jorge. Assista ao evento na íntegra:
No início de sua fala, Olival apresentou o conceito de história da ciência e explicou que se trata de uma área de pesquisa relativamente recente no país, consolidada a partir da década de 1980. Por isso, segundo o palestrante, muitos de seus marcos, conceitos e periodizações ainda estão em construção e seguem em debate.
Nesse contexto de consolidação recente da área, Olival destacou que uma das discussões mais intensas — e ainda abertas — diz respeito a quando haveria começado a ciência no Brasil. Segundo ele, o debate se organizou historicamente em torno de duas grandes interpretações.
De um lado, estão as leituras que situam esse início no século XX, associando a ciência à formação de universidades modernas e à consolidação de comunidades científicas estáveis, com destaque para a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, como marco simbólico desse processo. Nessa perspectiva, a ciência só se estabelece plenamente quando passa a contar com formação sistemática, produção regular e reconhecimento institucional.

De outro lado, há pesquisadores que antecipam esse marco para o século XIX, enaltecendo a existência de instituições científicas anteriores à universidade moderna. Essa visão chama atenção para espaços como o Museu Nacional, o Observatório Nacional e os primeiros institutos dedicados à pesquisa médica e naturalista, que já produziam conhecimento científico no período imperial.
Para Olival, embora essas duas leituras tenham contribuído de forma decisiva para a historiografia da ciência no país, ambas apresentam limites quando adotadas de maneira rígida.
É justamente nesse ponto, ressaltou o palestrante, que a trajetória do Instituto Oswaldo Cruz confronta as periodizações tradicionais. Fundado em 1900, na transição entre os séculos XIX e XX, o IOC não se encaixa plenamente em nenhuma das duas interpretações, evidenciando que a ciência no Brasil se constituiu de forma gradual, articulada a contextos sociais, políticos e institucionais específicos.
“A mais importante instituição científica desse país é aqui o Instituto Oswaldo Cruz — que compartilha o início de sua história com a Fiocruz. E ele não é nem século XIX, nem século XX. Ele foi criado na transição de um século para outro”, apontou.

O presidente do CNPq ainda destacou que a trajetória do IOC ajuda a questionar divisões rígidas da história da ciência. Para ele, entender como o conhecimento científico se construiu no Brasil exige olhar para além das datas e das instituições formais, reconhecendo também outros saberes que contribuíram para esse processo ao longo do tempo.
“É importante para refletirmos que não há como datar o início da história das ciências, porque, inclusive, parte da história brasileira do conhecimento antecede a chegada dos colonizadores, com os conhecimentos indígenas”, destacou.
A partir dessa reflexão sobre origens e periodizações, Olival ampliou o foco da palestra para discutir como a ciência no Brasil se estruturou ao longo do tempo em diálogo direto com transformações econômicas, institucionais e internacionais.
Olival destacou, por exemplo, que a consolidação do sistema científico brasileiro ganhou impulso decisivo no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando ciência e tecnologia passaram a ser percebidas como elementos estratégicos para o desenvolvimento nacional.

Foi também nesse período que se estruturaram instituições fundamentais para o fomento e a organização da pesquisa no país, como o CNPq e a Capes, além da criação de universidades e centros de pesquisa que ajudaram a conformar um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.
O historiador ainda chamou atenção para uma das contradições centrais da história recente da ciência brasileira: a coexistência entre a expansão de estruturas de fomento, formação e institucionalização da pesquisa com momentos de repressão política, como a Ditadura Militar (1964–1985).
Para ele, esse paradoxo impõe desafios à história da ciência e exige compreender não apenas os avanços institucionais, mas também as perdas, interrupções e impactos geracionais provocados por períodos de restrição às liberdades acadêmicas.
Ao final da palestra, Olival reforçou que refletir sobre a história científica brasileira — e, em particular, sobre os 125 anos do Instituto Oswaldo Cruz — ajuda a compreender desafios atuais e futuros da produção científica no país.
“Se há uma conclusão a ser tirada, é essa: a relação entre ciência e democracia envolve valores civilizatórios. Nós queremos o desenvolvimento do país, queremos o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, mas queremos isso em um ambiente de liberdade, um ambiente de democracia”, finalizou.
Encerrando a programação, foi inaugurada, no Castelo Mourisco, a placa que denomina a Sala 201 como Sala José Rodrigues Coura, em homenagem ao cientista que foi duas vezes diretor do IOC e teve papel central na preservação da memória institucional, como editor da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, além de ter sido um dos criadores do atual Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical.

A solenidade reuniu pesquisadores, dirigentes e convidados, incluindo representantes da Casa de Oswaldo Cruz, da direção do Instituto e colegas que conviveram com Coura ao longo de sua trajetória acadêmica e institucional.
Na cerimônia, também foi apresentada a doação ao Instituto de um quadro que retrata o Castelo Mourisco, produzido pelo médico oftalmologista e artista argentino Roque Alejandro Maffrand.

A obra foi oferecida, em 1991, originalmente como presente a Cláudio Ribeiro, diretor do Instituto Oswaldo Cruz entre 1993 e 1995, e agora passa a integrar o acervo simbólico e histórico do IOC. Clique aqui e confira o discurso de Cláudio ao realizar a doação.
A cerimônia contou ainda com a presença de familiares de Roque Alejandro Maffrand, além de colegas e colaboradores de diferentes instituições.

Quando, afinal, começou a ciência no Brasil? A pergunta, aparentemente simples, foi o fio condutor do terceiro dia de atividades do 4º ato do Simpósio IOC Jubileu 125 anos, realizado em 9 de dezembro, no auditório Emmanuel Dias, no campus de Manguinhos (RJ).
Apresentada pelo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Olival Freire Junior, a palestra ‘Ciência e tecnologia na história do Brasil: os 125 anos do Instituto Oswaldo Cruz no contexto da história da ciência no Brasil’ mostrou como o IOC ocupa um lugar singular na formação do sistema científico brasileiro, justamente por ter surgido na transição entre dois séculos.
O encontro foi mediado pela pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Magali Romero Sá, e apresentado pela diretora do IOC, Tania Araujo-Jorge. Assista ao evento na íntegra:
No início de sua fala, Olival apresentou o conceito de história da ciência e explicou que se trata de uma área de pesquisa relativamente recente no país, consolidada a partir da década de 1980. Por isso, segundo o palestrante, muitos de seus marcos, conceitos e periodizações ainda estão em construção e seguem em debate.
Nesse contexto de consolidação recente da área, Olival destacou que uma das discussões mais intensas — e ainda abertas — diz respeito a quando haveria começado a ciência no Brasil. Segundo ele, o debate se organizou historicamente em torno de duas grandes interpretações.
De um lado, estão as leituras que situam esse início no século XX, associando a ciência à formação de universidades modernas e à consolidação de comunidades científicas estáveis, com destaque para a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, como marco simbólico desse processo. Nessa perspectiva, a ciência só se estabelece plenamente quando passa a contar com formação sistemática, produção regular e reconhecimento institucional.

De outro lado, há pesquisadores que antecipam esse marco para o século XIX, enaltecendo a existência de instituições científicas anteriores à universidade moderna. Essa visão chama atenção para espaços como o Museu Nacional, o Observatório Nacional e os primeiros institutos dedicados à pesquisa médica e naturalista, que já produziam conhecimento científico no período imperial.
Para Olival, embora essas duas leituras tenham contribuído de forma decisiva para a historiografia da ciência no país, ambas apresentam limites quando adotadas de maneira rígida.
É justamente nesse ponto, ressaltou o palestrante, que a trajetória do Instituto Oswaldo Cruz confronta as periodizações tradicionais. Fundado em 1900, na transição entre os séculos XIX e XX, o IOC não se encaixa plenamente em nenhuma das duas interpretações, evidenciando que a ciência no Brasil se constituiu de forma gradual, articulada a contextos sociais, políticos e institucionais específicos.
“A mais importante instituição científica desse país é aqui o Instituto Oswaldo Cruz — que compartilha o início de sua história com a Fiocruz. E ele não é nem século XIX, nem século XX. Ele foi criado na transição de um século para outro”, apontou.

O presidente do CNPq ainda destacou que a trajetória do IOC ajuda a questionar divisões rígidas da história da ciência. Para ele, entender como o conhecimento científico se construiu no Brasil exige olhar para além das datas e das instituições formais, reconhecendo também outros saberes que contribuíram para esse processo ao longo do tempo.
“É importante para refletirmos que não há como datar o início da história das ciências, porque, inclusive, parte da história brasileira do conhecimento antecede a chegada dos colonizadores, com os conhecimentos indígenas”, destacou.
A partir dessa reflexão sobre origens e periodizações, Olival ampliou o foco da palestra para discutir como a ciência no Brasil se estruturou ao longo do tempo em diálogo direto com transformações econômicas, institucionais e internacionais.
Olival destacou, por exemplo, que a consolidação do sistema científico brasileiro ganhou impulso decisivo no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando ciência e tecnologia passaram a ser percebidas como elementos estratégicos para o desenvolvimento nacional.

Foi também nesse período que se estruturaram instituições fundamentais para o fomento e a organização da pesquisa no país, como o CNPq e a Capes, além da criação de universidades e centros de pesquisa que ajudaram a conformar um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.
O historiador ainda chamou atenção para uma das contradições centrais da história recente da ciência brasileira: a coexistência entre a expansão de estruturas de fomento, formação e institucionalização da pesquisa com momentos de repressão política, como a Ditadura Militar (1964–1985).
Para ele, esse paradoxo impõe desafios à história da ciência e exige compreender não apenas os avanços institucionais, mas também as perdas, interrupções e impactos geracionais provocados por períodos de restrição às liberdades acadêmicas.
Ao final da palestra, Olival reforçou que refletir sobre a história científica brasileira — e, em particular, sobre os 125 anos do Instituto Oswaldo Cruz — ajuda a compreender desafios atuais e futuros da produção científica no país.
“Se há uma conclusão a ser tirada, é essa: a relação entre ciência e democracia envolve valores civilizatórios. Nós queremos o desenvolvimento do país, queremos o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, mas queremos isso em um ambiente de liberdade, um ambiente de democracia”, finalizou.
Encerrando a programação, foi inaugurada, no Castelo Mourisco, a placa que denomina a Sala 201 como Sala José Rodrigues Coura, em homenagem ao cientista que foi duas vezes diretor do IOC e teve papel central na preservação da memória institucional, como editor da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, além de ter sido um dos criadores do atual Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical.

A solenidade reuniu pesquisadores, dirigentes e convidados, incluindo representantes da Casa de Oswaldo Cruz, da direção do Instituto e colegas que conviveram com Coura ao longo de sua trajetória acadêmica e institucional.
Na cerimônia, também foi apresentada a doação ao Instituto de um quadro que retrata o Castelo Mourisco, produzido pelo médico oftalmologista e artista argentino Roque Alejandro Maffrand.

A obra foi oferecida, em 1991, originalmente como presente a Cláudio Ribeiro, diretor do Instituto Oswaldo Cruz entre 1993 e 1995, e agora passa a integrar o acervo simbólico e histórico do IOC. Clique aqui e confira o discurso de Cláudio ao realizar a doação.
A cerimônia contou ainda com a presença de familiares de Roque Alejandro Maffrand, além de colegas e colaboradores de diferentes instituições.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)