O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras
Portuguese English Spanish
Interface
Adjust the interface to make it easier to use for different conditions.
This renders the document in high contrast mode.
This renders the document as white on black
This can help those with trouble processing rapid screen movements.
This loads a font easier to read for people with dyslexia.
Busca Avançada
Você está aqui: Notícias » Oncocercose nas Américas

Oncocercose nas Américas

Eliminação da doença, que é alvo de estudos premiados com o Nobel de Medicina de 2015, permanece como um desafio para a saúde pública no continente
Por Lucas Rocha26/10/2015 - Atualizado em 10/12/2019
Eliminação da doença, que é alvo de estudos premiados com o Nobel de Medicina de 2015, permanece como um desafio para a saúde pública no continente

Um agravo pouco conhecido, que atinge uma região isolada no meio da Floresta Amazônica. Este é o cenário brasileiro da oncocercose, doença considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde, engrossando o rol de agravos relacionados à pobreza. O Prêmio Nobel de Medicina deste ano contemplou pesquisadores responsáveis pela criação de novas terapias para o combate às verminoses, incluindo esta infecção, produzida pela filária Onchocerca volvulus e transmitida por meio da picada do popular borrachudo ou pium, espécie de simulídeo. Especialista no tema, a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Marilza Herzog discute os desafios para o processo de eliminação da doença que tem apresentado mais dificuldades do que nos territórios vizinhos. Marilza pontua que, atualmente, o país abriga, juntamente com a Venezuela, o último foco da doença que ainda persiste nas Américas, localizado na Terra Indígena Yanomami, nos estados do Amazonas e Roraima. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) previa como meta a interrupção da doença no Brasil até o final de 2015 – entretanto, este quadro parece não se concretizar no prazo previsto. Para a especialista, a história natural da doença no país é um dos principais fatores que dificulta a sua eliminação. “Aqui e no sul da Venezuela, a incidência está restrita a uma região totalmente silvestre, recoberta por densa floresta e rica em ambientes propícios aos criadouros dos borrachudos vetores. Além de ser isolada, a área é de difícil acesso e adversa às ações de saúde pública, diferentemente do que acontecia nos outros países do continente, que apresentavam focos periurbanos e rurais, ou até mesmo silvestres, mas com características mais viáveis”, explica a pesquisadora que é chefe do Laboratório de Simulídeos, Oncocercose e Infecções Simpátricas: Mansonelose e Malária do IOC. Ela destaca, ainda, a tradição nômade da população indígena atingida pela doença como outro fator de dificuldade na busca pela eliminação.

Gutemberg Brito

Marilza destaca a necessidade de uma atuação conjunta envolvendo pesquisadores, gestores e ações políticas visando a eliminação da oncocercose


Em acordo firmado durante a 67ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, na Suíça, em 2014, os governos do Brasil e da Venezuela assinaram memorando de entendimento se comprometendo a fortalecer e integrar ações para eliminação da doença na fronteira entre os países. Para atingir a meta de eliminação, atualmente são promovidas medidas preventivas, além de ações de caracterização epidemiológica do foco em área Yanomami. “Promover o acesso da população ao diagnóstico precoce e tratamento oportuno no âmbito da atenção primária da saúde é um importante desafio”, afirma Marilza. “A Floresta Amazônica é uma caixinha de surpresas para qualquer doença, portanto são necessários grandes esforços em saúde pública, com uma atuação conjunta que envolva pesquisadores, gestores e ações políticas”, complementa. No continente americano, a busca pela eliminação do agravo teve intensificação, ainda na década de 1990, com a criação do Programa para Eliminação da Oncocercose das Américas. O Brasil é um dos seis países membros, ao lado de México, Equador, Colômbia, Guatemala e Venezuela. Destes países, onde a oncocercose se caracterizava na forma endêmica, México, Equador e Colômbia já cumpriram a meta de eliminação proposta pela Opas. O próximo a riscar a doença da lista é a Guatemala, que aguarda a visita técnica para receber o mesmo certificado. Fora do mapa

De acordo com Marilza, o conceito de eliminação consiste na manutenção da interrupção da transmissão local da oncocercose. Neste caso, os especialistas consideram como indícios da presença da doença a presença das filárias nas amostras do tecido cutâneo de pacientes e o diagnóstico molecular das filárias nos borrachudos vetores – a última, uma das ações realizadas pelo Laboratório do IOC como parte da vigilância sobre a doença. “Quando não tivermos mais biópsias de pele positivas, nem registros de filárias nos borrachudos, dentro de um prazo de avaliação de cinco anos, o Brasil poderá receber o certificado da Opas. Ainda assim, será preciso manter a vigilância epidemiológica e entomológica por mais cinco anos”, explica a pesquisadora. Criado na década de 1970, quando a doença foi descoberta no Brasil, o atual Laboratório de Simulídeos, Oncocercose e Infecções Simpátricas: Mansonelose e Malária do IOC é considerado, desde 2000, referência nacional para a oncocercose junto ao Ministério da Saúde. Além de contribuir para o Programa Brasileiro de Eliminação da Oncocercose, realiza capacitações de profissionais no âmbito de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). O espaço abriga, ainda, a Coleção de Simulídeos, que conta com um acervo composto por aproximadamente 35 mil espécimes, incluindo coleções históricas iniciadas há décadas pelos pesquisadores Adolpho Lutz e Cesar Pinto. A cegueira dos rios e o Nobel de Medicina

Também conhecida como ‘cegueira dos rios’, a oncocercose é transmitida por simulídeos que, ao se alimentarem de um hospedeiro infectado, sugam microfilárias junto com o sangue. No prazo de uma semana a dez dias, elas se desenvolvem no organismo do borrachudo que, ao picar um indivíduo saudável, transfere formas infectivas destes vermes para o novo hospedeiro. Após cerca de um ano, os parasitas se transformam em adultos que vivem, em média, 15 anos e, no caso do encontro de machos e fêmeas, tendem a produzir grande número de microfilárias, que passam a se disseminar pelo corpo do paciente. A sua presença no organismo começa, então, a apresentar os primeiros sintomas, como o aparecimento de nódulos, de lesões na pele com acentuada coceira e, eventualmente, lesões oculares que podem levar à cegueira – este sintoma, comum na África, deu à doença o nome popular de ‘cegueira dos rios’, uma vez que é mais comum perto de cursos hídricos, onde os borrachudos transmissores colocam seus ovos e fazem de criadouros. No Brasil, são poucos os registros da manifestação de cegueira associada à oncocercose. Não existe vacina para prevenir a doença e o tratamento existente visa eliminar as microfilárias com a utilização da ivermectina pelo período mínimo de 15 anos. Foram justamente os estudos sobre a ivermectina que motivaram, em outubro de 2015, que o irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura recebessem o prêmio Nobel de Medicina, concedido pela Academia Real das Ciências da Suécia. A premiação foi dividida com a pesquisadora chinesa YouYou Tu, reconhecida pelo desenvolvimento de uma nova terapia no combate à malária. Lucas Rocha Imagem da capa: filária Onchocerca volvulus, por AJ Shelley 26/10/2015 .
Eliminação da doença, que é alvo de estudos premiados com o Nobel de Medicina de 2015, permanece como um desafio para a saúde pública no continente
Por: 
lucas

Eliminação da doença, que é alvo de estudos premiados com o Nobel de Medicina de 2015, permanece como um desafio para a saúde pública no continente

Um agravo pouco conhecido, que atinge uma região isolada no meio da Floresta Amazônica. Este é o cenário brasileiro da oncocercose, doença considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde, engrossando o rol de agravos relacionados à pobreza. O Prêmio Nobel de Medicina deste ano contemplou pesquisadores responsáveis pela criação de novas terapias para o combate às verminoses, incluindo esta infecção, produzida pela filária Onchocerca volvulus e transmitida por meio da picada do popular borrachudo ou pium, espécie de simulídeo. Especialista no tema, a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Marilza Herzog discute os desafios para o processo de eliminação da doença que tem apresentado mais dificuldades do que nos territórios vizinhos.

Marilza pontua que, atualmente, o país abriga, juntamente com a Venezuela, o último foco da doença que ainda persiste nas Américas, localizado na Terra Indígena Yanomami, nos estados do Amazonas e Roraima. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) previa como meta a interrupção da doença no Brasil até o final de 2015 – entretanto, este quadro parece não se concretizar no prazo previsto. Para a especialista, a história natural da doença no país é um dos principais fatores que dificulta a sua eliminação. “Aqui e no sul da Venezuela, a incidência está restrita a uma região totalmente silvestre, recoberta por densa floresta e rica em ambientes propícios aos criadouros dos borrachudos vetores. Além de ser isolada, a área é de difícil acesso e adversa às ações de saúde pública, diferentemente do que acontecia nos outros países do continente, que apresentavam focos periurbanos e rurais, ou até mesmo silvestres, mas com características mais viáveis”, explica a pesquisadora que é chefe do Laboratório de Simulídeos, Oncocercose e Infecções Simpátricas: Mansonelose e Malária do IOC. Ela destaca, ainda, a tradição nômade da população indígena atingida pela doença como outro fator de dificuldade na busca pela eliminação.

Gutemberg Brito

Marilza destaca a necessidade de uma atuação conjunta envolvendo pesquisadores, gestores e ações políticas visando a eliminação da oncocercose



Em acordo firmado durante a 67ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, na Suíça, em 2014, os governos do Brasil e da Venezuela assinaram memorando de entendimento se comprometendo a fortalecer e integrar ações para eliminação da doença na fronteira entre os países. Para atingir a meta de eliminação, atualmente são promovidas medidas preventivas, além de ações de caracterização epidemiológica do foco em área Yanomami. “Promover o acesso da população ao diagnóstico precoce e tratamento oportuno no âmbito da atenção primária da saúde é um importante desafio”, afirma Marilza. “A Floresta Amazônica é uma caixinha de surpresas para qualquer doença, portanto são necessários grandes esforços em saúde pública, com uma atuação conjunta que envolva pesquisadores, gestores e ações políticas”, complementa.

No continente americano, a busca pela eliminação do agravo teve intensificação, ainda na década de 1990, com a criação do Programa para Eliminação da Oncocercose das Américas. O Brasil é um dos seis países membros, ao lado de México, Equador, Colômbia, Guatemala e Venezuela. Destes países, onde a oncocercose se caracterizava na forma endêmica, México, Equador e Colômbia já cumpriram a meta de eliminação proposta pela Opas. O próximo a riscar a doença da lista é a Guatemala, que aguarda a visita técnica para receber o mesmo certificado.

Fora do mapa

De acordo com Marilza, o conceito de eliminação consiste na manutenção da interrupção da transmissão local da oncocercose. Neste caso, os especialistas consideram como indícios da presença da doença a presença das filárias nas amostras do tecido cutâneo de pacientes e o diagnóstico molecular das filárias nos borrachudos vetores – a última, uma das ações realizadas pelo Laboratório do IOC como parte da vigilância sobre a doença. “Quando não tivermos mais biópsias de pele positivas, nem registros de filárias nos borrachudos, dentro de um prazo de avaliação de cinco anos, o Brasil poderá receber o certificado da Opas. Ainda assim, será preciso manter a vigilância epidemiológica e entomológica por mais cinco anos”, explica a pesquisadora.

Criado na década de 1970, quando a doença foi descoberta no Brasil, o atual Laboratório de Simulídeos, Oncocercose e Infecções Simpátricas: Mansonelose e Malária do IOC é considerado, desde 2000, referência nacional para a oncocercose junto ao Ministério da Saúde. Além de contribuir para o Programa Brasileiro de Eliminação da Oncocercose, realiza capacitações de profissionais no âmbito de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). O espaço abriga, ainda, a Coleção de Simulídeos, que conta com um acervo composto por aproximadamente 35 mil espécimes, incluindo coleções históricas iniciadas há décadas pelos pesquisadores Adolpho Lutz e Cesar Pinto.

A cegueira dos rios e o Nobel de Medicina

Também conhecida como ‘cegueira dos rios’, a oncocercose é transmitida por simulídeos que, ao se alimentarem de um hospedeiro infectado, sugam microfilárias junto com o sangue. No prazo de uma semana a dez dias, elas se desenvolvem no organismo do borrachudo que, ao picar um indivíduo saudável, transfere formas infectivas destes vermes para o novo hospedeiro. Após cerca de um ano, os parasitas se transformam em adultos que vivem, em média, 15 anos e, no caso do encontro de machos e fêmeas, tendem a produzir grande número de microfilárias, que passam a se disseminar pelo corpo do paciente. A sua presença no organismo começa, então, a apresentar os primeiros sintomas, como o aparecimento de nódulos, de lesões na pele com acentuada coceira e, eventualmente, lesões oculares que podem levar à cegueira – este sintoma, comum na África, deu à doença o nome popular de ‘cegueira dos rios’, uma vez que é mais comum perto de cursos hídricos, onde os borrachudos transmissores colocam seus ovos e fazem de criadouros. No Brasil, são poucos os registros da manifestação de cegueira associada à oncocercose. Não existe vacina para prevenir a doença e o tratamento existente visa eliminar as microfilárias com a utilização da ivermectina pelo período mínimo de 15 anos.

Foram justamente os estudos sobre a ivermectina que motivaram, em outubro de 2015, que o irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura recebessem o prêmio Nobel de Medicina, concedido pela Academia Real das Ciências da Suécia. A premiação foi dividida com a pesquisadora chinesa YouYou Tu, reconhecida pelo desenvolvimento de uma nova terapia no combate à malária.

Lucas Rocha
Imagem da capa: filária Onchocerca volvulus, por AJ Shelley
26/10/2015
.

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.