A inclusão do Dia Mundial da Doença de Chagas no calendário mundial da saúde foi comemorada por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A decisão da Assembleia Mundial da Saúde nesta sexta-feira, 24/05, ocorreu durante as comemorações pelo aniversário de 119 anos do IOC, que celebrou, entre outros marcos, os 110 anos da publicação do ciclo da infecção por Carlos Chagas. Desde então, cientistas do Instituto atuam continuamente em pesquisas sobre o agravo. Confira abaixo os depoimentos de pesquisadores que trabalham diariamente por um mundo livre da doença de Chagas:
"A mobilização dos pacientes acometidos em parceria com a população civil de diferentes categorias profissionais foi capaz de catalisar forças para mostrar o grande impacto da doença de Chagas, que acomete mundialmente cerca de 8 milhões de pessoas, com 65 milhões sob o risco de adquiri-la. Finalmente, indivíduos na forma clínica 'silenciosa' (chamada de forma crônica indeterminada), com casos agudos assintomáticos ou mesmo os pacientes sintomáticos não mais passarão desapercebidos no contexto mundial. E ações de vigilância e controle integradas e ativas serão cobradas pela OMS em todos os países acometidos. Esperamos que a declaração de 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas seja um marco nas respostas aos desafios de distintos cenários epidemiológicos e clínicos dessa doença, assim como foi a publicação da descoberta por Carlos Chagas, em 1909."
|| Angela Junqueira, pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, Juliana de Meis, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC, e Mauro Mediano, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), coordenadores do Programa de Pesquisa Translacional em Doença de Chagas da Fiocruz (Fio-Chagas). ||
“Estabelecer o Dia Mundial da Doença de Chagas é bom porque chama atenção para o agravo. A OMS tem dias para muitas doenças, e Chagas era esquecida por ser uma infecção limitada à América Latina. Foi um escândalo quando publiquei um artigo com Pedro Albajar chamando atenção para a presença da doença em países de primeiro mundo e a necessidade de medidas para conter o risco de transmissão por transfusões de sangue e doações de órgãos [Nature, 2010]. Hoje, até mesmo na Suíça existem ambulatórios para tratar pacientes com doença de Chagas. Por algum tempo, houve a ilusão de que se poderia eliminar a doença de Chagas, mas não há essa possibilidade. A infecção é originalmente da mata, onde ocorre entre animais e triatomíneos silvestres, que não podem ser eliminados. No entanto, ela pode ser reduzida, como já ocorreu significativamente no Brasil, principalmente pelo controle da transmissão domiciliar. Existem ainda questões não esclarecidas. Por exemplo, somente um percentual das pessoas infectadas pelo Trypanosoma cruzi desenvolve a doença de Chagas. Não sabemos por que alguns indivíduos desenvolvem cardiopatia chagásica e morrem, enquanto outros infectados não apresentam sintomas.”
|| José Rodrigues Coura, pesquisador emérito da Fiocruz e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC. Autor de publicações que se tornaram referência na área de doenças infecciosas, é ganhador da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, do Prêmio Conrado Wessel (FCW) de Medicina e do Prêmio Jabuti, entre outros. ||
“O Dia Mundial da Doença de Chagas é importantíssimo, porque se trata de uma doença negligenciada que continua matando milhares de pessoas. O mesmo casebre que existia em 1900 continua existindo hoje, permitindo a infestação por barbeiros, que transmitem o agravo. Além disso, temos a transmissão alimentar. É preciso conscientizar a população de que não devemos comer, por exemplo, açaí colhido e preparado sem os devidos cuidados. É um risco tanto para as pessoas que vivem em áreas endêmicas, quanto para os viajantes.”
|| José Jurberg, chefe do Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos e curador da Coleção de Triatomíneos do IOC, iniciada há 110 anos por Carlos Chagas. É autor de materiais de divulgação sobre os vetores, como o ‘Atlas iconográfico dos triatomíneos do Brasil’ e os blocos de cartões ilustrados ‘Vetores da doença de Chagas no Brasil’. ||
"A doença de Chagas está longe de ser um problema resolvido. Nos últimos anos, temos observado o aumento dos casos de transmissão por via oral na Amazônia, não apenas no Brasil, mas também no Peru, Equador, Guiana e Colômbia. As migrações já levaram a infecção para países fora da América Latina, e o aquecimento global pode mudar a distribuição geográfica dos vetores, criando novos cenários de transmissão. O Dia Mundial da Doença de Chagas será um momento importante para reflexão sobre todas essas questões que ainda estão em aberto, incluindo também os desafios no diagnóstico e tratamento do agravo."
|| Ana Maria Jansen, chefe do Laboratório de Biologia de Tripanosomatídeos do IOC, parasitologista com importantes contribuições científicas no estudo de mamíferos reservatórios do Trypanosoma cruzi. Atualmente, em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta para diagnóstico da circulação silvestre do parasito. ||
No alto, à esquerda, um dos mais renomados especialistas em doença de Chagas, o professor emérito da Fiocruz José Rodrigues Coura, investiga a extração do açaí. Abaixo, estudo que identificou potenciais vetores da doença em área urbana de Roraima. À direita, a busca pelo parasito em felinos do Cerrado. Foto: a partir da esquerda, acervo pessoal de José Rodrigues Coura (IOC/Fiocruz), Alice Ricardo-Silva e colaboradores, Adriano Gambarini
"A aprovação do Dia Mundial da Doença de Chagas é extremamente relevante, pois temos um número alto de pacientes crônicos no Brasil e um novo cenário de transmissão oral do Trypanosoma cruzi. Em relação aos barbeiros, novas espécies foram descritas recentemente e estudos têm revelado que insetos morfologicamente similares podem ser evolutivamente distantes. Esse fator pode acarretar variações de comportamento, impactando nas ações de controle. O compromisso de formar novas gerações de cientistas por meio do Ensino de pós-graduação para dar continuidade ao enfrentamento dos desafios científicos que ainda temos pela frente é fundamental neste cenário."
|| Cleber Galvão, pesquisador do Laboratório Nacional e Internacional Referência em Taxonomia de Triatomíneos e coordenador do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Saúde do IOC, dedica-se ao estudo dos insetos vetores da doença. ||
"O dia 14 de abril é um marco histórico, um marco brasileiro e uma data de visibilidade. Como doença negligenciada, a doença de Chagas precisa de visibilidade. A luta dos portadores não é apenas pelo controle da transmissão, mas pela melhoria da qualidade de vida. Para a criação do Dia Mundial da Doença de Chagas, foram dez anos de luta da Findechagas [Federação das Associações das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas]. O dia 14 de abril foi escolhido por causa da descoberta de Carlos Chagas. É emocionante ver o trabalho de um cientista homenageado pelos pacientes."
|| Tania Cremonini de Araújo-Jorge, chefe do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC e integrante do Comitê Científico da Associação Rio-Chagas. É coordenadora do 'Projeto Selênio', que está na fase de ensaios clínicos e investiga o uso de um medicamento à base de selênio como complemento ao tratamento da doença de Chagas crônica. ||
O Ciclo Carlos Chagas de Palestras chegou à sétima edição em 2019. Lado a lado com cientistas e profissionais de saúde pública, os pacientes ganham espaço de fala: caso de Nancy Dominga da Costa, representante da Associação Rio Chagas (à direita). Foto: Gutemberg Brito (IOC/Fiocruz)
"O Dia Mundial da Doença de Chagas é importante para a visibilidade do agravo. A data deve contribuir para que os profissionais de saúde conheçam a doença e as pessoas possivelmente afetadas busquem o diagnóstico. É fundamental encontrar o paciente crônico e dar acesso ao tratamento, pois existem terapias e estratégias que podem prolongar e aumentar a qualidade de vida."
|| Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, desenvolve estudos em imunologia e coordena o Ciclo Carlos Chagas de Palestras. Foi responsável pela identificação de mecanismos desencadeados pelo Trypanosoma cruzi associados ao quadro depressivo entre os pacientes. ||
"Esta aprovação representa um importante marco tendo em vista que somente o reconhecimento mundial desta enfermidade negligenciada poderá, de fato, dar voz aos indivíduos afetados, permitindo a construção de políticas de saúde pública para o enfrentamento dos atuais desafios. Dentre estes, destaco a identificação de marcadores mais precisos de progressão da doença, a manutenção do controle epidemiológico e do monitoramento vetorial, a notificação compulsória de casos crônicos, e por fim, a ampliação do acesso aos medicamentos já disponíveis assim como o desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas."
|| Maria de Nazaré Correia Soeiro, chefe do Laboratório de Biologia Celular do IOC, coordena pesquisas em busca de novas terapias para a doença. Em 2012 e 2017, projetos de doutorado sob sua orientação foram reconhecidos no Prêmio Capes de Tese. ||
Exemplos de atividades desenvolvidas em laboratório: investigação de amostras de pacientes em ensaios clínicos e análise dos benefícios do resveratrol para proteção de danos cardíacos associados à doença. Foto: Gutemberg Brito (IOC/Fiocruz) e Joseli Lannes (IOC/Fiocruz)
"Com o 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas, deixamos, um pouco, de ser invisíveis. Atualmente, existem milhões de pacientes com infecção crônica não diagnosticada. A partir dessa data, há um olhar especial para a problemática da doença de Chagas, que pode estimular as pesquisas em busca de novas terapias. Outras questões que precisam ser investigadas estão ligadas aos diferentes genótipos do Trypanosoma cruzi e a polimorfismos [variações genéticas] encontrados nos pacientes que podem influenciar o desenvolvimento da doença."
|| Constança Britto, chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, foi uma das pioneiras no diagnóstico molecular da infecção e, com pesquisadores do Brasil e do exterior, participa de ensaios clínicos nacionais e internacionais. Também está à frente do projeto para desenvolvimento de um kit rápido para diagnóstico do agravo. ||
"A criação do Dia Mundial da Doença de Chagas é de grande importância para dar maior visibilidade a uma enfermidade que é negligenciada por acometer principalmente pessoas de baixa renda, praticamente 'invisíveis' aos olhos das autoridades em saúde pública. Há milhares de pessoas portadoras crônicas de Trypanosoma cruzi na América Latina que precisam de tratamento e nem sempre são atendidas de forma adequada nos serviços de saúde onde vivem. Depois do controle do vetor Triatoma infestans, no Brasil e em outros países do Cone Sul, há um entendimento errôneo de que a doença já não mais existe. A pesquisa sobre o agravo tem deixado de receber financiamentos de agências de fomento, impedindo a busca de novos compostos químicos para tratamento e negligenciando o controle de vetores nativos, considerados secundários, que portam o parasito e continuam invadindo habitações humanas de áreas endêmicas, como temos visto em nossas pesquisas em áreas rurais do Ceará e outras regiões do nordeste brasileiro."
|| Marli Maria Lima, chefe do Laboratório de Ecoepidemiologia da Doença de Chagas do IOC, lidera pesquisas sobre a biologia de triatomíneos e a epidemiologia da doença de Chagas na região semi-árida do Nordeste. ||
"O Dia Mundial da Doença de Chagas é extremamente relevante porque torna visível uma doença silenciosa, que pode não ter sintomas em um alto percentual de indivíduos infectados. As estimativas atuais são feitas com base nos pacientes sintomáticos, mas não sabemos, ao certo, quantos brasileiros apresentam o agravo. Precisamos chamar atenção para a doença, minimizar a transmissão e melhorar o tratamento, como foco na qualidade de vida dos pacientes, principalmente na forma crônica do agravo, em que o benzonidazol [usado contra o Trypanosoma cruzi] não vem atingindo bons efeitos. Outras ações também podem ganhar força a partir da data, como a proposta de inclusão do teste para doença de Chagas no pré-natal, para reduzir a transmissão materno-fetal."
|| Mirian Claudia de Souza Pereira, chefe do Laboratório de Ultraestrutura Celeular do IOC, realiza pesquisas sobre a interação do parasito com células cardíacas e busca compostos com ação contra o parasito para o desenvolvimento de novas terapias. ||
O protozoário causador da doença em imagens de microscopia eletrônica. À esquerda e à direita, o Trypanosoma cruzi. Ao centro, o Trypanosoma janseni, descoberto por pesquisadores do IOC em gambás da Mata Atlântica do Rio de Janeiro e nomeado em homenagem à cientista Ana Maria Jansen. Foto: A partir da esquerda, imagens de Helene S. Barbosa (IOC/Fiocruz), Rubem Menna-Barreto (IOC/Fiocruz) e imagem conjunta dos autores (direita)
"O Dia Mundial da Doença de Chagas será um marco importante para manter o tema em pauta. Além da grande preocupação com os pacientes crônicos, continuam ocorrendo novos casos de infecção no Brasil. Há alguns anos, por exemplo, tivemos uma criança quue morreu após se infectar brincando com um barbeiro morto no Espírito Santo. A desinformação pode levar à demora no diagnóstico e no tratamento, com resultados graves."
|| André Roque, pesquisador do Laboratório de Biologia de Tripanosomatídeos do IOC. Atua em pesquisas ligadas ao ciclo silvestre do Trypanosoma cruzi, com investigações sobre as condições associadas aos surtos da doença de Chagas, de forma a orientar medidas de prevenção, vigilância e controle. ||
"A doença de Chagas encontra-se no grupo das doenças tropicais negligenciadas. Entretanto, a maioria das pessoas não consegue mensurar o tamanho da negligência. A carência de um levantamento epidemiológico recente e a não existência de notificação compulsória dos casos crônicos fazem com que não saibamos quantas são as pessoas afetadas pelo agravo no país. Com o objetivo de sensibilizar as autoridades, os profissionais de saúde e a população, acredito que a criação do Dia Mundial da Doença de Chagas seja um importante passo. Dentre os principais desafios depois de 110 anos da descoberta, posso destacar o fato de a infecção ser considerada silenciosa, devido ao seu longo período de latência. A eficácia limitada do medicamento disponível para o tratamento de pacientes crônicos, assim como a melhora da qualidade de vida dessas pessoas também estão entre os importantes desafios a serem vencidos."
|| Rubem Menna Barreto, pesquisador do Laboratório de Biologia Celular do IOC, desenvolve pesquisas em busca de novos fármacos contra o Trypanosoma cruzi e de biomarcadores associados aos danos cardíacos, que constitui a principal causa de morte na doença de Chagas. ||
A inclusão do Dia Mundial da Doença de Chagas no calendário mundial da saúde foi comemorada por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A decisão da Assembleia Mundial da Saúde nesta sexta-feira, 24/05, ocorreu durante as comemorações pelo aniversário de 119 anos do IOC, que celebrou, entre outros marcos, os 110 anos da publicação do ciclo da infecção por Carlos Chagas. Desde então, cientistas do Instituto atuam continuamente em pesquisas sobre o agravo. Confira abaixo os depoimentos de pesquisadores que trabalham diariamente por um mundo livre da doença de Chagas:
"A mobilização dos pacientes acometidos em parceria com a população civil de diferentes categorias profissionais foi capaz de catalisar forças para mostrar o grande impacto da doença de Chagas, que acomete mundialmente cerca de 8 milhões de pessoas, com 65 milhões sob o risco de adquiri-la. Finalmente, indivíduos na forma clínica 'silenciosa' (chamada de forma crônica indeterminada), com casos agudos assintomáticos ou mesmo os pacientes sintomáticos não mais passarão desapercebidos no contexto mundial. E ações de vigilância e controle integradas e ativas serão cobradas pela OMS em todos os países acometidos. Esperamos que a declaração de 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas seja um marco nas respostas aos desafios de distintos cenários epidemiológicos e clínicos dessa doença, assim como foi a publicação da descoberta por Carlos Chagas, em 1909."
|| Angela Junqueira, pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, Juliana de Meis, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC, e Mauro Mediano, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), coordenadores do Programa de Pesquisa Translacional em Doença de Chagas da Fiocruz (Fio-Chagas). ||
“Estabelecer o Dia Mundial da Doença de Chagas é bom porque chama atenção para o agravo. A OMS tem dias para muitas doenças, e Chagas era esquecida por ser uma infecção limitada à América Latina. Foi um escândalo quando publiquei um artigo com Pedro Albajar chamando atenção para a presença da doença em países de primeiro mundo e a necessidade de medidas para conter o risco de transmissão por transfusões de sangue e doações de órgãos [Nature, 2010]. Hoje, até mesmo na Suíça existem ambulatórios para tratar pacientes com doença de Chagas. Por algum tempo, houve a ilusão de que se poderia eliminar a doença de Chagas, mas não há essa possibilidade. A infecção é originalmente da mata, onde ocorre entre animais e triatomíneos silvestres, que não podem ser eliminados. No entanto, ela pode ser reduzida, como já ocorreu significativamente no Brasil, principalmente pelo controle da transmissão domiciliar. Existem ainda questões não esclarecidas. Por exemplo, somente um percentual das pessoas infectadas pelo Trypanosoma cruzi desenvolve a doença de Chagas. Não sabemos por que alguns indivíduos desenvolvem cardiopatia chagásica e morrem, enquanto outros infectados não apresentam sintomas.”
|| José Rodrigues Coura, pesquisador emérito da Fiocruz e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC. Autor de publicações que se tornaram referência na área de doenças infecciosas, é ganhador da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, do Prêmio Conrado Wessel (FCW) de Medicina e do Prêmio Jabuti, entre outros. ||
“O Dia Mundial da Doença de Chagas é importantíssimo, porque se trata de uma doença negligenciada que continua matando milhares de pessoas. O mesmo casebre que existia em 1900 continua existindo hoje, permitindo a infestação por barbeiros, que transmitem o agravo. Além disso, temos a transmissão alimentar. É preciso conscientizar a população de que não devemos comer, por exemplo, açaí colhido e preparado sem os devidos cuidados. É um risco tanto para as pessoas que vivem em áreas endêmicas, quanto para os viajantes.”
|| José Jurberg, chefe do Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos e curador da Coleção de Triatomíneos do IOC, iniciada há 110 anos por Carlos Chagas. É autor de materiais de divulgação sobre os vetores, como o ‘Atlas iconográfico dos triatomíneos do Brasil’ e os blocos de cartões ilustrados ‘Vetores da doença de Chagas no Brasil’. ||
"A doença de Chagas está longe de ser um problema resolvido. Nos últimos anos, temos observado o aumento dos casos de transmissão por via oral na Amazônia, não apenas no Brasil, mas também no Peru, Equador, Guiana e Colômbia. As migrações já levaram a infecção para países fora da América Latina, e o aquecimento global pode mudar a distribuição geográfica dos vetores, criando novos cenários de transmissão. O Dia Mundial da Doença de Chagas será um momento importante para reflexão sobre todas essas questões que ainda estão em aberto, incluindo também os desafios no diagnóstico e tratamento do agravo."
|| Ana Maria Jansen, chefe do Laboratório de Biologia de Tripanosomatídeos do IOC, parasitologista com importantes contribuições científicas no estudo de mamíferos reservatórios do Trypanosoma cruzi. Atualmente, em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta para diagnóstico da circulação silvestre do parasito. ||
No alto, à esquerda, um dos mais renomados especialistas em doença de Chagas, o professor emérito da Fiocruz José Rodrigues Coura, investiga a extração do açaí. Abaixo, estudo que identificou potenciais vetores da doença em área urbana de Roraima. À direita, a busca pelo parasito em felinos do Cerrado. Foto: a partir da esquerda, acervo pessoal de José Rodrigues Coura (IOC/Fiocruz), Alice Ricardo-Silva e colaboradores, Adriano Gambarini
"A aprovação do Dia Mundial da Doença de Chagas é extremamente relevante, pois temos um número alto de pacientes crônicos no Brasil e um novo cenário de transmissão oral do Trypanosoma cruzi. Em relação aos barbeiros, novas espécies foram descritas recentemente e estudos têm revelado que insetos morfologicamente similares podem ser evolutivamente distantes. Esse fator pode acarretar variações de comportamento, impactando nas ações de controle. O compromisso de formar novas gerações de cientistas por meio do Ensino de pós-graduação para dar continuidade ao enfrentamento dos desafios científicos que ainda temos pela frente é fundamental neste cenário."
|| Cleber Galvão, pesquisador do Laboratório Nacional e Internacional Referência em Taxonomia de Triatomíneos e coordenador do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Saúde do IOC, dedica-se ao estudo dos insetos vetores da doença. ||
"O dia 14 de abril é um marco histórico, um marco brasileiro e uma data de visibilidade. Como doença negligenciada, a doença de Chagas precisa de visibilidade. A luta dos portadores não é apenas pelo controle da transmissão, mas pela melhoria da qualidade de vida. Para a criação do Dia Mundial da Doença de Chagas, foram dez anos de luta da Findechagas [Federação das Associações das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas]. O dia 14 de abril foi escolhido por causa da descoberta de Carlos Chagas. É emocionante ver o trabalho de um cientista homenageado pelos pacientes."
|| Tania Cremonini de Araújo-Jorge, chefe do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC e integrante do Comitê Científico da Associação Rio-Chagas. É coordenadora do 'Projeto Selênio', que está na fase de ensaios clínicos e investiga o uso de um medicamento à base de selênio como complemento ao tratamento da doença de Chagas crônica. ||
O Ciclo Carlos Chagas de Palestras chegou à sétima edição em 2019. Lado a lado com cientistas e profissionais de saúde pública, os pacientes ganham espaço de fala: caso de Nancy Dominga da Costa, representante da Associação Rio Chagas (à direita). Foto: Gutemberg Brito (IOC/Fiocruz)
"O Dia Mundial da Doença de Chagas é importante para a visibilidade do agravo. A data deve contribuir para que os profissionais de saúde conheçam a doença e as pessoas possivelmente afetadas busquem o diagnóstico. É fundamental encontrar o paciente crônico e dar acesso ao tratamento, pois existem terapias e estratégias que podem prolongar e aumentar a qualidade de vida."
|| Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, desenvolve estudos em imunologia e coordena o Ciclo Carlos Chagas de Palestras. Foi responsável pela identificação de mecanismos desencadeados pelo Trypanosoma cruzi associados ao quadro depressivo entre os pacientes. ||
"Esta aprovação representa um importante marco tendo em vista que somente o reconhecimento mundial desta enfermidade negligenciada poderá, de fato, dar voz aos indivíduos afetados, permitindo a construção de políticas de saúde pública para o enfrentamento dos atuais desafios. Dentre estes, destaco a identificação de marcadores mais precisos de progressão da doença, a manutenção do controle epidemiológico e do monitoramento vetorial, a notificação compulsória de casos crônicos, e por fim, a ampliação do acesso aos medicamentos já disponíveis assim como o desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas."
|| Maria de Nazaré Correia Soeiro, chefe do Laboratório de Biologia Celular do IOC, coordena pesquisas em busca de novas terapias para a doença. Em 2012 e 2017, projetos de doutorado sob sua orientação foram reconhecidos no Prêmio Capes de Tese. ||
Exemplos de atividades desenvolvidas em laboratório: investigação de amostras de pacientes em ensaios clínicos e análise dos benefícios do resveratrol para proteção de danos cardíacos associados à doença. Foto: Gutemberg Brito (IOC/Fiocruz) e Joseli Lannes (IOC/Fiocruz)
"Com o 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas, deixamos, um pouco, de ser invisíveis. Atualmente, existem milhões de pacientes com infecção crônica não diagnosticada. A partir dessa data, há um olhar especial para a problemática da doença de Chagas, que pode estimular as pesquisas em busca de novas terapias. Outras questões que precisam ser investigadas estão ligadas aos diferentes genótipos do Trypanosoma cruzi e a polimorfismos [variações genéticas] encontrados nos pacientes que podem influenciar o desenvolvimento da doença."
|| Constança Britto, chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, foi uma das pioneiras no diagnóstico molecular da infecção e, com pesquisadores do Brasil e do exterior, participa de ensaios clínicos nacionais e internacionais. Também está à frente do projeto para desenvolvimento de um kit rápido para diagnóstico do agravo. ||
"A criação do Dia Mundial da Doença de Chagas é de grande importância para dar maior visibilidade a uma enfermidade que é negligenciada por acometer principalmente pessoas de baixa renda, praticamente 'invisíveis' aos olhos das autoridades em saúde pública. Há milhares de pessoas portadoras crônicas de Trypanosoma cruzi na América Latina que precisam de tratamento e nem sempre são atendidas de forma adequada nos serviços de saúde onde vivem. Depois do controle do vetor Triatoma infestans, no Brasil e em outros países do Cone Sul, há um entendimento errôneo de que a doença já não mais existe. A pesquisa sobre o agravo tem deixado de receber financiamentos de agências de fomento, impedindo a busca de novos compostos químicos para tratamento e negligenciando o controle de vetores nativos, considerados secundários, que portam o parasito e continuam invadindo habitações humanas de áreas endêmicas, como temos visto em nossas pesquisas em áreas rurais do Ceará e outras regiões do nordeste brasileiro."
|| Marli Maria Lima, chefe do Laboratório de Ecoepidemiologia da Doença de Chagas do IOC, lidera pesquisas sobre a biologia de triatomíneos e a epidemiologia da doença de Chagas na região semi-árida do Nordeste. ||
"O Dia Mundial da Doença de Chagas é extremamente relevante porque torna visível uma doença silenciosa, que pode não ter sintomas em um alto percentual de indivíduos infectados. As estimativas atuais são feitas com base nos pacientes sintomáticos, mas não sabemos, ao certo, quantos brasileiros apresentam o agravo. Precisamos chamar atenção para a doença, minimizar a transmissão e melhorar o tratamento, como foco na qualidade de vida dos pacientes, principalmente na forma crônica do agravo, em que o benzonidazol [usado contra o Trypanosoma cruzi] não vem atingindo bons efeitos. Outras ações também podem ganhar força a partir da data, como a proposta de inclusão do teste para doença de Chagas no pré-natal, para reduzir a transmissão materno-fetal."
|| Mirian Claudia de Souza Pereira, chefe do Laboratório de Ultraestrutura Celeular do IOC, realiza pesquisas sobre a interação do parasito com células cardíacas e busca compostos com ação contra o parasito para o desenvolvimento de novas terapias. ||
O protozoário causador da doença em imagens de microscopia eletrônica. À esquerda e à direita, o Trypanosoma cruzi. Ao centro, o Trypanosoma janseni, descoberto por pesquisadores do IOC em gambás da Mata Atlântica do Rio de Janeiro e nomeado em homenagem à cientista Ana Maria Jansen. Foto: A partir da esquerda, imagens de Helene S. Barbosa (IOC/Fiocruz), Rubem Menna-Barreto (IOC/Fiocruz) e imagem conjunta dos autores (direita)
"O Dia Mundial da Doença de Chagas será um marco importante para manter o tema em pauta. Além da grande preocupação com os pacientes crônicos, continuam ocorrendo novos casos de infecção no Brasil. Há alguns anos, por exemplo, tivemos uma criança quue morreu após se infectar brincando com um barbeiro morto no Espírito Santo. A desinformação pode levar à demora no diagnóstico e no tratamento, com resultados graves."
|| André Roque, pesquisador do Laboratório de Biologia de Tripanosomatídeos do IOC. Atua em pesquisas ligadas ao ciclo silvestre do Trypanosoma cruzi, com investigações sobre as condições associadas aos surtos da doença de Chagas, de forma a orientar medidas de prevenção, vigilância e controle. ||
"A doença de Chagas encontra-se no grupo das doenças tropicais negligenciadas. Entretanto, a maioria das pessoas não consegue mensurar o tamanho da negligência. A carência de um levantamento epidemiológico recente e a não existência de notificação compulsória dos casos crônicos fazem com que não saibamos quantas são as pessoas afetadas pelo agravo no país. Com o objetivo de sensibilizar as autoridades, os profissionais de saúde e a população, acredito que a criação do Dia Mundial da Doença de Chagas seja um importante passo. Dentre os principais desafios depois de 110 anos da descoberta, posso destacar o fato de a infecção ser considerada silenciosa, devido ao seu longo período de latência. A eficácia limitada do medicamento disponível para o tratamento de pacientes crônicos, assim como a melhora da qualidade de vida dessas pessoas também estão entre os importantes desafios a serem vencidos."
|| Rubem Menna Barreto, pesquisador do Laboratório de Biologia Celular do IOC, desenvolve pesquisas em busca de novos fármacos contra o Trypanosoma cruzi e de biomarcadores associados aos danos cardíacos, que constitui a principal causa de morte na doença de Chagas. ||
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)