Seminário promovido pelo Ministério da Saúde contou com a participação de pesquisadores da Fiocruz para preparar ações de vigilância no país
Comum em diversos países do hemisfério Norte, o vírus do Oeste do Nilo pode causar quadros neurológicos graves em humanos e também em animais, incluindo cavalos. Recentemente, a doença despertou a atenção após a confirmação do primeiro paciente no Brasil. Com o intuito de elaborar estratégias de vigilância de controle do vírus no país, o Ministério da Saúde realizou o I Seminário e Workshop sobre o vírus do Nilo ocidental no Brasil: pesquisas, situação epidemiológica, perspectivas e as diretrizes para a vigilância, prevenção e controle. O evento, que aconteceu nos dias 23, 24 e 25 de março, em Brasília, contou com a presença de especialistas de diferentes áreas, além de técnicos do grupo de trabalho sobre arboviroses conjunto de viroses essencialmente transmitidas por mosquitos da Secretaria de Vigilância em Saúde. Representantes do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) participaram das discussões.
Em 2011, foram encontradas, pela primeira vez, evidências da circulação do vírus no Brasil. Na época, pesquisadores do IOC/Fiocruz identificaram anticorpos para o vírus do Oeste o Nilo no sangue de cavalos do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Isso indica que, em algum momento, estes animais tiveram contato com o vírus. Apenas em 2014 foi detectado o primeiro caso clínico de febre do Oeste do Nilo em humanos no país, no estado do Piauí. A confirmação da doença foi uma das motivações para que o Ministério da Saúde promovesse o evento, que buscou preparar ações de vigilância do vírus.
Objetivos e resultados
O seminário também busca entender o panorama do vírus no país. É importante conhecer a atual situação do vírus, para saber se está circulando aqui de forma epidêmica, possivelmente trazido de fora por aves, ou se de fato a doença é endêmica e ainda não havia sido notada, explica Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Transmissores de Hematozoários do IOC/Fiocruz e um dos convidados do evento.
Josué Cristiano
É importante compreender se a doença é endêmica ou epidêmica segundo o entomologista Ricardo Lourenço
Para a pesquisadora Ana Maria Bispo, do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, a reunião foi produtiva. Surgiram muitas sugestões interessantes referentes à vigilância humana, animal, entomológica e laboratorial. Como resultado, um documento com as principais recomendações do grupo servirá de base para o Ministério da Saúde definir as ações de vigilância para a febre do Oeste do Nilo, ressalta a virologista.
Vírus versátil
No Brasil, o caso humano foi diagnosticado em uma área rural do Piauí e as primeiras evidências de circulação entre animais ocorreram no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Entretanto, o vírus também vem sendo reportado em áreas urbanas de outros países. A doença é verificada especialmente na Europa e nos Estados Unidos, onde já houve casos em Nova Iorque, a maior cidade do país. Diante deste cenário, o Ministério da Saúde está em alerta.
A preocupação quanto à possibilidade de urbanização da doença no país está relacionada à ampla presença de um dos mosquitos transmissores o Culex quinquefasciatus, popularmente conhecido como pernilongo em muitos centros urbanos brasileiros. Até o momento, o vírus foi evidenciado apenas em ambiente silvestre e rural no Brasil, mas há uma preocupação de que ele possa circular em áreas urbanas, destaca Alex Pauvolid-Corrêa. Doutor formado pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do IOC/Fiocruz, atualmente ele realiza o pós-doutorado no Centro para Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
Arquivo pessoal
Alex Pauvolid-Corrêa alerta para a possibilidade da urbanização da doença
Dificuldade no diagnóstico
Um desafio é encontrar formas de diagnosticar corretamente a doença tanto do ponto de vista clínico quanto laboratorial. Segundo a virologista Ana Bispo, no que se refere às manifestações clínicas, a similaridade com outras arboviroses como, por exemplo, a dengue, pode complicar o diagnóstico. O reconhecimento de um caso de febre do Oeste do Nilo é dificultado, uma vez que os sintomas são indistinguíveis, principalmente na ausência de comprometimento neurológico, sintetiza.
Gutemberg Brito
A virologista Ana Bispo destaca a dificuldade no diagnóstico correto da febre do Oeste do Nilo devido à semelhança de sintomas em relação a outras doenças, como a dengue
O diagnóstico laboratorial também não é uma tarefa fácil: diferentemente do que acontece na dengue, quando a carga viral é alta no momento em que surgem os primeiros sintomas, facilitando a detecção da doença, na febre do Oeste do Nilo a presença do vírus já está baixa no momento de início da manifestação do quadro clínico. A elevada carga viral acontece antes do início dos sintomas. Então, quando a pessoa se sente mal e vai ao médico, não tem mais uma carga viral suficientemente alta para ser detectada no sangue. Por isso, o diagnóstico é preferencialmente realizado por sorologia, que detecta os anticorpos para o vírus do Oeste do Nilo, explica Alex.
Proteção cruzada?
A maior parte dos casos relatados de febre do Oeste do Nilo acontece no hemisfério Norte. Uma das diferentes hipóteses para o menor número de casos na América do Sul é a possível proteção cruzada promovida pela grande circulação de vírus similares ao do Oeste do Nilo na região, como os causadores da dengue e da febre amarela. Se uma pessoa foi infectada pelo vírus da dengue ela não está imune ao vírus do Oeste do Nilo. Porém, uma das teorias é de que os anticorpos gerados nessa infecção primária poderiam levar a uma proteção cruzada parcial, diminuindo o número de casos clínicos na região, supõe Alex.
Apesar de, até o momento, ter sido oficialmente reportado apenas um único caso da doença no Brasil e da possibilidade de proteção cruzada, a vigilância é essencial. Segundo o pesquisador, além do vírus apresentar alta taxa de mutações, do ponto de vista geográfico a doença é hoje considerada a arbovirose mais amplamente distribuída no mundo. Por isso, não podemos afirmar que a urbanização do vírus do Oeste do Nilo não irá acontecer. A preocupação é sempre constante, ainda mais por se tratar de um vírus que circula em ambientes tão diferentes, conclui Alex.
A pesquisadora Márcia Chame, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), também participou do evento.
Foto de capa: Kathy Keatley/UC Davis Department of Entomology
Fernanda Turino 31/03/2015 .
Seminário promovido pelo Ministério da Saúde contou com a participação de pesquisadores da Fiocruz para preparar ações de vigilância no país
Comum em diversos países do hemisfério Norte, o vírus do Oeste do Nilo pode causar quadros neurológicos graves em humanos e também em animais, incluindo cavalos. Recentemente, a doença despertou a atenção após a confirmação do primeiro paciente no Brasil. Com o intuito de elaborar estratégias de vigilância de controle do vírus no país, o Ministério da Saúde realizou o I Seminário e Workshop sobre o vírus do Nilo ocidental no Brasil: pesquisas, situação epidemiológica, perspectivas e as diretrizes para a vigilância, prevenção e controle. O evento, que aconteceu nos dias 23, 24 e 25 de março, em Brasília, contou com a presença de especialistas de diferentes áreas, além de técnicos do grupo de trabalho sobre arboviroses conjunto de viroses essencialmente transmitidas por mosquitos da Secretaria de Vigilância em Saúde. Representantes do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) participaram das discussões.
Em 2011, foram encontradas, pela primeira vez, evidências da circulação do vírus no Brasil. Na época, pesquisadores do IOC/Fiocruz identificaram anticorpos para o vírus do Oeste o Nilo no sangue de cavalos do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Isso indica que, em algum momento, estes animais tiveram contato com o vírus. Apenas em 2014 foi detectado o primeiro caso clínico de febre do Oeste do Nilo em humanos no país, no estado do Piauí. A confirmação da doença foi uma das motivações para que o Ministério da Saúde promovesse o evento, que buscou preparar ações de vigilância do vírus.
Objetivos e resultados
O seminário também busca entender o panorama do vírus no país. É importante conhecer a atual situação do vírus, para saber se está circulando aqui de forma epidêmica, possivelmente trazido de fora por aves, ou se de fato a doença é endêmica e ainda não havia sido notada, explica Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Transmissores de Hematozoários do IOC/Fiocruz e um dos convidados do evento.
Josué Cristiano
É importante compreender se a doença é endêmica ou epidêmica segundo o entomologista Ricardo Lourenço
Para a pesquisadora Ana Maria Bispo, do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, a reunião foi produtiva. Surgiram muitas sugestões interessantes referentes à vigilância humana, animal, entomológica e laboratorial. Como resultado, um documento com as principais recomendações do grupo servirá de base para o Ministério da Saúde definir as ações de vigilância para a febre do Oeste do Nilo, ressalta a virologista.
Vírus versátil
No Brasil, o caso humano foi diagnosticado em uma área rural do Piauí e as primeiras evidências de circulação entre animais ocorreram no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Entretanto, o vírus também vem sendo reportado em áreas urbanas de outros países. A doença é verificada especialmente na Europa e nos Estados Unidos, onde já houve casos em Nova Iorque, a maior cidade do país. Diante deste cenário, o Ministério da Saúde está em alerta.
A preocupação quanto à possibilidade de urbanização da doença no país está relacionada à ampla presença de um dos mosquitos transmissores o Culex quinquefasciatus, popularmente conhecido como pernilongo em muitos centros urbanos brasileiros. Até o momento, o vírus foi evidenciado apenas em ambiente silvestre e rural no Brasil, mas há uma preocupação de que ele possa circular em áreas urbanas, destaca Alex Pauvolid-Corrêa. Doutor formado pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do IOC/Fiocruz, atualmente ele realiza o pós-doutorado no Centro para Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
Arquivo pessoal
Alex Pauvolid-Corrêa alerta para a possibilidade da urbanização da doença
Dificuldade no diagnóstico
Um desafio é encontrar formas de diagnosticar corretamente a doença tanto do ponto de vista clínico quanto laboratorial. Segundo a virologista Ana Bispo, no que se refere às manifestações clínicas, a similaridade com outras arboviroses como, por exemplo, a dengue, pode complicar o diagnóstico. O reconhecimento de um caso de febre do Oeste do Nilo é dificultado, uma vez que os sintomas são indistinguíveis, principalmente na ausência de comprometimento neurológico, sintetiza.
Gutemberg Brito
A virologista Ana Bispo destaca a dificuldade no diagnóstico correto da febre do Oeste do Nilo devido à semelhança de sintomas em relação a outras doenças, como a dengue
O diagnóstico laboratorial também não é uma tarefa fácil: diferentemente do que acontece na dengue, quando a carga viral é alta no momento em que surgem os primeiros sintomas, facilitando a detecção da doença, na febre do Oeste do Nilo a presença do vírus já está baixa no momento de início da manifestação do quadro clínico. A elevada carga viral acontece antes do início dos sintomas. Então, quando a pessoa se sente mal e vai ao médico, não tem mais uma carga viral suficientemente alta para ser detectada no sangue. Por isso, o diagnóstico é preferencialmente realizado por sorologia, que detecta os anticorpos para o vírus do Oeste do Nilo, explica Alex.
Proteção cruzada?
A maior parte dos casos relatados de febre do Oeste do Nilo acontece no hemisfério Norte. Uma das diferentes hipóteses para o menor número de casos na América do Sul é a possível proteção cruzada promovida pela grande circulação de vírus similares ao do Oeste do Nilo na região, como os causadores da dengue e da febre amarela. Se uma pessoa foi infectada pelo vírus da dengue ela não está imune ao vírus do Oeste do Nilo. Porém, uma das teorias é de que os anticorpos gerados nessa infecção primária poderiam levar a uma proteção cruzada parcial, diminuindo o número de casos clínicos na região, supõe Alex.
Apesar de, até o momento, ter sido oficialmente reportado apenas um único caso da doença no Brasil e da possibilidade de proteção cruzada, a vigilância é essencial. Segundo o pesquisador, além do vírus apresentar alta taxa de mutações, do ponto de vista geográfico a doença é hoje considerada a arbovirose mais amplamente distribuída no mundo. Por isso, não podemos afirmar que a urbanização do vírus do Oeste do Nilo não irá acontecer. A preocupação é sempre constante, ainda mais por se tratar de um vírus que circula em ambientes tão diferentes, conclui Alex.
A pesquisadora Márcia Chame, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), também participou do evento.
Foto de capa: Kathy Keatley/UC Davis Department of Entomology
Fernanda Turino 31/03/2015 .
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)