A criação do Instituto Soroterápico Federal de Manguinhos em 1900 como parte da estratégia de combate às doenças pestilenciais na virada do século, inaugurou a primeira infra-estrutura científico-tecnológica do país e também deu início a uma longa tradição de formação de pesquisadores da área biomédica, hoje representada pelos Programas de Pós-Graduação do Instituto Oswaldo Cruz.
O projeto de Oswaldo Cruz previa, desde seu início, a constituição de uma instituição em que a tríade produção-pesquisa-ensino se fizesse presente.
À frente da Diretoria Geral de Saúde Pública, em seu relatório de 1903 ao Ministro, ele defendia que, além de fabricar soros e vacinas, o Instituto deveria realizar todos os estudos científicos e preparar pessoal a quem pudesse ser confiada a missão de salvaguarda da saúde pública.
Assim, mesmo antes de concretizar a idéia de uma escola no Instituto, a participação de alunos da Faculdade de Medicina na vida do antigo Instituto Soroterápico era uma realidade cotidiana e, já em 1901, três desses alunos, Otávio Machado, Mário de Toledo e Oscar Araújo apresentaram teses apoiadas em seus trabalhos desenvolvidos no Instituto.
O primeiro desenvolveu tese sobre a 'Etiologia e Profilaxia da Peste', o segundo sobre 'Crioscopia' e o terceiro sobre impaludismo.
É a partir de 1908, ano em que o Instituto recebeu a denominação de Instituto Oswaldo Cruz, que os alunos egressos da Faculdade de Medicina passam a ter a oportunidade de frequentar o 'curso de Manguinhos', denominado então de Curso de Aplicação.
Oswaldo Cruz inspirou-se no Instituto Pasteur para a criação do curso, mas em seu desenvolvimento, além da escola francesa, a Escola de Manguinhos também sofreu influências da escola alemã, através de Henrique de Beaurepaire Aragão, Henrique de Rocha-Lima e Alcides Godoy que fizeram sua formação em Berlim e, mais tarde, da escola suíça alemã, com Adolpho Lutz, que diplomou-se em Berna.
Desde cedo, a Escola de Manguinhos, caracterizada como uma grande escola de medicina experimental, passa a ter uma procura intensa.
Olympio da Fonseca Filho, ao tentar matricular-se para o curso de 1912, encontrou-o com todas as vagas preenchidas, tendo que adiar seu projeto de estudos para o curso de 1913/1914.
É ele que nos revela as características do curso naquela época.
O curso tinha um programa amplo e rígido, desenvolvido ao longo de quatorze meses ininterruptos, não se admitindo mais de dez faltas, e apenas entre um terço e metade dos alunos que o iniciavam alcançavam as qualificações de frequência e aproveitamento necessárias para a diplomação.
O quadro abaixo, também apresentado por Olympio da Fonseca, nos dá conta das disciplinas que compunham seu currículo e dos professores responsáveis: Carlos Chagas, Antonio Cardoso Fontes, Adolpho Lutz, Arthur Neiva, Alcides Godoy, Gaspar Vianna e Henrique Figueiredo de Vasconcellos.
Programa do curso de 1913
1 - Aparelhos e métodos gerais de investigação em microscopia e bacteriologia: GODOY
2 - Micróbios em geral: FONTES
3 - Técnicas das culturas, colorações. Experimentação em animais: VASCONCELLOS
4 - Técnica histológica aplicada à microbiologia: VIANNA
5 - Análise de ar, solo e água: FONTES
6 - Grupo do carbúnculo: GODOY
7 - Cocos:estafilococos, estreptococos, pneumococos, meningococos e gonococos Exame de pús, exsudatos e transudatos: FONTES
8 - Difteria e pseudo - difteria. Exame de falsas membranas: FONTES
9 - Tuberculose, lepra, ácido-resistentes. Exame de escarro: FONTES
10 - Peste. Septicemias hemorrágicas. Exame bacteriológico de sangue: VASCONCELLOS
11 - Mormo: VASCONCELLOS
12 - Grupo coli - tifo. Exame bacteriológico de urina: FONTES
13 - Cólera e vibriões. Exame de fezes: GODOY
14 - Anaeróbios (Tétano. Carbúnculo sintomático): GODOY
15 - Imunidade em geral. Teorias da imunidade: GODOY
16 - Reações sorológicas aplicáveis ao diagnóstico: Wassermann e suas modificações. Bordet - Gengou: VASCONCELLOS
17 - Técnica soroterápica. Preparo dos diferentes soros: VASCONCELLOS
18 - Dosagem dos soros: GODOY
19 - Antissépticos. Determinação de seu valor: FONTES
20 - Cogumelos patogênicos. Actinomicose. Tinhas: VASCONCELLOS
21 - Esporotricose e blastomicose: VIANNA
22 - Protozoários em geral: CHAGAS
23 - Amebas: CHAGAS
24 - Flagelados. Tripanosomidas. Leishmanias. Piroplasma: CHAGAS
25 - Moléstia de Carlos Chagas: CHAGAS
26 - Esporozoários em geral. Impaludismo: CHAGAS
27 - Ciliados parasitos: CHAGAS
28 - Espiroquetas: CHAGAS
29 - Clamidozoários. Germes filtráveis. Varíola. Febre amarela: CHAGAS
30 - Animais transmissores de moléstias. Dípteros. Hemípteros. Sifonápteros: NEIVA
31 - Animais venenosos e peçonhentos: NEIVA
32 - Animais parasitos do Homem e de outros animais: LUTZ
O Curso de Aplicação formou centenas de especialistas que vieram a integrar os quadros do próprio Instituto Oswaldo Cruz e de outras instituições de pesquisa no Brasil e no exterior.
O Instituto Biológico e o Instituto Butantan, em São Paulo, o Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas e o Instituto Evandro Chagas, em Belém, são exemplos de instituições que se beneficiaram da colaboração de pesquisadores oriundos do curso.
O Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, hoje importante núcleo de pesquisa e de difusão científica em vários campos das ciências biomédicas, foi fundado por antigo pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas Filho, também ex-aluno do Curso de Aplicação.
E grande parte dos países da América Latina enviou pesquisadores para se especializarem em Manguinhos, que, em sua maioria, retornando a seus países de origem, vieram a compor importantes quadros das instituições de pesquisa e ensino.
Apesar da importância e do sucesso na formação de pesquisadores alcançado pelas atividades de ensino do Instituto Oswaldo Cruz, em 1970, por ocasião da fusão do Instituto Oswaldo Cruz com a Fundação Ensino Especializado em Saúde Pública que criou a FIOCRUZ, o ensino deixa de ser uma atribuição do Instituto, sendo repassado à Escola de Saúde Pública.
Com isso, o Curso de Aplicação foi extinto e foi criado na Escola de Saúde Pública, então denominada Instituto Presidente Castello Branco, o Curso de Iniciação à Pesquisa em Biologia, de duração de um ano, que funcionou de 1970 a 1974, sofrendo posteriores restruturações.
Embora os pesquisadores não tenham se distanciado completamente das atividades de ensino, colaborando sistematicamente com os cursos da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), é somente em 1980 que o Instituto retoma a formação de pesquisadores como uma de suas atribuições fundamentais, ao receber os alunos transferidos dos cursos de Virologia e Parasitologia da ENSP, dando início ao programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Biologia Parasitária.
Nas últimas décadas as atividades de ensino expandiram-se e, além da formação de pesquisadores, que, a partir de 1984, passa ainda a contar com o Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Medicina Tropical e com o de Biologia Celular e Molecular, a partir de 1989, o Instituto volta-se também para a formação de técnicos de pesquisa e de especialistas.