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Doença de Chagas crônica pode prejudicar memória, mas tratamento reverte danos

Pesquisa em camundongos avança na compreensão sobre impacto da infecção no cérebro e sugere benefício da terapia com benznidazol na fase tardia do agravo
Por Maíra Menezes22/02/2021 - Atualizado em 22/03/2021

Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que a doença de Chagas crônica, causada pelo parasito Trypanosoma cruzi, pode desencadear ou acelerar um processo de declínio da memória associado ao envelhecimento, de forma semelhante ao observado em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer.

Realizada em camundongos, considerados modelo para estudo do agravo, a pesquisa avança no conhecimento sobre as alterações causadas pela infecção no cérebro, evidenciando a associação entre a persistência do T. cruzi e a perda progressiva de habilidades de memória.

O trabalho também traz uma boa notícia: nos animais, a terapia com o medicamento benznidazol, que atua contra o parasito, foi capaz de reverter os prejuízos cognitivos.

De acordo com a chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC e coordenadora da pesquisa, Joseli Lannes, os resultados sugerem benefício do tratamento na fase crônica da doença de Chagas.

“Nos pacientes crônicos, o benznidazol não elimina completamente o T. cruzi, mas reduz a carga parasitária. Em relação aos problemas cardíacos, existe dúvida sobre o efeito da terapia, com alguns trabalhos apontando melhoria e outros não. Nosso estudo, em modelo experimental, abre uma nova janela, indicando um efeito benéfico no sistema nervoso central”, afirma a pesquisadora.

Desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), o estudo foi publicado na revista científica internacional ‘Plos One’. O artigo tem como primeiras autoras a doutora pelo Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC, Gláucia Villar Pereira, e a doutoranda do mesmo Programa, Leda Castaño Barrios, ambas orientadas por Joseli.

Testes de memória

Para investigar a relação entre a doença de Chagas crônica e alterações de memória, os pesquisadores comparam o desempenho de camundongos infectados e não infectados (considerados como controles) em três testes. Os experimentos foram repetidos em dois momentos: quatro e cinco meses após a infecção, para avaliar a evolução do agravo.

No primeiro teste, os cientistas observaram que a memória de habituação espacial, que indica reconhecimento do ambiente, estava preservada quatro meses após a infecção, mas foi perdida um mês depois. Levados para visitar um ambiente em dois dias seguidos, os animais controles não demonstraram interesse em explorar o espaço na segunda visita.

O mesmo aconteceu com os camundongos infectados há 120 dias. Porém, após 150 dias de infecção, os animais se comportaram, em ambos os dias, como se estivessem em um local novo.

“Esse teste mimetiza a situação de uma pessoa que sai, reconhece os locais e não se perde. Vimos que essa era uma memória preservada em um período da fase crônica, mas perdida com o avanço da doença”, explica Joseli.

Após cinco meses de infecção pelo T. cruzi, camundongos não demonstraram reconhecimento de objetos apresentados anteriormente. Foto: Reprodução

O segundo experimento avaliou o reconhecimento de objetos. Neste caso, os cientistas verificaram redução da habilidade quatro meses após a infecção, com agravamento no mês seguinte. No experimento, diante de dois objetos colocados no ambiente, um apresentado anteriormente e outro novo, os camundongos controle dirigiram-se principalmente para a novidade, enquanto os infectados fizeram pouca ou nenhuma distinção.

Por fim, foi investigada a memória de aversão, que se relaciona com experiências negativas e é considerada um mecanismo de defesa. Quatro meses após a infecção, 19% dos camundongos infectados não evitaram o local onde haviam presenciado uma pequena descarga elétrica no dia anterior. Um mês depois, o percentual subiu para 34%.

“Os três testes são importantes porque avaliam tipos diferentes de memória, que são armazenados em áreas distintas do cérebro. Os resultados mostram uma perda sequencial, que é uma característica comum de distúrbios associados ao envelhecimento e a doenças neurodegenerativas”, aponta a coordenadora do estudo, ressaltando que todos os experimentos seguiram protocolos de ética em pesquisa com animais. “Em todos os momentos, nos preocupamos com o bem-estar dos camundongos”, pontua Joseli.

Papel do parasito

Além de revelar a perda progressiva da memória, o estudo apontou mecanismos que podem estar por trás das alterações comportamentais na doença de Chagas crônica. Um fenômeno já identificado em pacientes, a atrofia cerebral – redução do tamanho do cérebro – foi registrada nos camundongos infectados.

O material genético do T. cruzi foi encontrado no hipocampo e no córtex cerebral, confirmando a persistência do parasito em áreas do cérebro importantes para a formação da memória. Nas mesmas regiões, os pesquisadores verificaram aumento de moléculas que são consideradas marcadores de lesão cerebral.

“A infecção parasitária pode levar a produção de citocinas [substâncias que participam da resposta contra infecções] que danificam os lipídios que compõem a membrana dos neurônios e de outras células do sistema nervoso central. No estudo, detectamos radicais que são acumulados quando ocorre um processo chamado de peroxidação de lipídios. Isso significa que membranas celulares estão sendo danificadas e já foi mostrado como um marcador de lesão do sistema nervoso central na doença de Alzheimer”, relata Joseli.

Considerando o possível papel do parasito nas alterações da memória, os pesquisadores decidiram avaliar o efeito da terapia com benznidazol, medicamento que atua contra o T. cruzi. O tratamento foi iniciado após quatro meses de infecção, quando os animais já apresentavam alguns problemas de memória.

A terapia preveniu a perda da memória de habituação espacial, reverteu os prejuízos observados no reconhecimento de objetos e impediu a progressão da perda da memória de aversão. Além disso, reduziu a carga parasitária e a presença de moléculas ligadas à peroxidação de lipídios no cérebro dos animais.

“Considerando as alterações observadas, o tratamento com benznidazol busca atuar na raiz do problema, que é a persistência do parasito”, diz Joseli.

Do paciente ao modelo

Os problemas cardíacos são a consequência mais frequente da infecção crônica pelo T. cruzi, aparecendo em 30% dos pacientes cerca de 20 a 30 anos após o contágio. No entanto, nos últimos anos, as evidências de que a doença de Chagas afeta também o sistema nervoso central têm crescido.

Entre as alterações comportamentais observadas em pacientes estão distúrbios de compreensão e percepção, perda de orientação e atenção. Pesquisas registram que alterações cognitivas são mais frequentes em pessoas com cardiopatia chagásica do que entre aquelas com outros distúrbios do coração.

Em estudo anterior, o grupo liderado por Joseli identificou que linhagens do T. cruzi circulantes no Brasil podem provocar desequilíbrios neuroquímicos, que resultam em quadros de depressão.

A pesquisadora destaca que a saúde mental na doença de Chagas sofre influência de fatores sociais, psicológicos e biológicos.

“Em geral, são pessoas pobres, que se descobrem portadoras de uma doença sem cura. Ao lado disso, a relação do parasito com o hospedeiro pode causar alterações neuroquímicas, que levam a alterações neuropsiquiátricas. No modelo experimental, buscamos o entendimento dos mecanismos biológicos envolvidos em quadros observados nos pacientes”, diz a cientista.

Insetos triatomíneos, popularmente chamados de barbeiros, são os vetores da doença de Chagas. Foto: Gutemberg Brito

Classificada como doença negligenciada, a doença de Chagas é transmitida por insetos triatomíneos, popularmente conhecidos como barbeiros. No Brasil, ações de controle vetorial adotadas a partir dos anos 1970 e melhorias nas condições habitacionais reduziram significativamente a disseminação do agravo.

No entanto, devido ao alto índice de transmissão no passado, o país tem entre 1,9 e 4,6 milhões de portadores crônicos, segundo o último consenso de especialistas.

“A maioria dos portadores da doença de Chagas tem mais de 45 anos e está vulnerável a problemas de memória associados ao envelhecimento. Nosso objetivo é encontrar caminhos para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”, ressalta Joseli.

Pesquisa em camundongos avança na compreensão sobre impacto da infecção no cérebro e sugere benefício da terapia com benznidazol na fase tardia do agravo
Por: 
maira

Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que a doença de Chagas crônica, causada pelo parasito Trypanosoma cruzi, pode desencadear ou acelerar um processo de declínio da memória associado ao envelhecimento, de forma semelhante ao observado em doenças neurodegenerativas, como Alzheimer.

Realizada em camundongos, considerados modelo para estudo do agravo, a pesquisa avança no conhecimento sobre as alterações causadas pela infecção no cérebro, evidenciando a associação entre a persistência do T. cruzi e a perda progressiva de habilidades de memória.

O trabalho também traz uma boa notícia: nos animais, a terapia com o medicamento benznidazol, que atua contra o parasito, foi capaz de reverter os prejuízos cognitivos.

De acordo com a chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC e coordenadora da pesquisa, Joseli Lannes, os resultados sugerem benefício do tratamento na fase crônica da doença de Chagas.

“Nos pacientes crônicos, o benznidazol não elimina completamente o T. cruzi, mas reduz a carga parasitária. Em relação aos problemas cardíacos, existe dúvida sobre o efeito da terapia, com alguns trabalhos apontando melhoria e outros não. Nosso estudo, em modelo experimental, abre uma nova janela, indicando um efeito benéfico no sistema nervoso central”, afirma a pesquisadora.

Desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), o estudo foi publicado na revista científica internacional ‘Plos One’. O artigo tem como primeiras autoras a doutora pelo Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC, Gláucia Villar Pereira, e a doutoranda do mesmo Programa, Leda Castaño Barrios, ambas orientadas por Joseli.

Testes de memória

Para investigar a relação entre a doença de Chagas crônica e alterações de memória, os pesquisadores comparam o desempenho de camundongos infectados e não infectados (considerados como controles) em três testes. Os experimentos foram repetidos em dois momentos: quatro e cinco meses após a infecção, para avaliar a evolução do agravo.

No primeiro teste, os cientistas observaram que a memória de habituação espacial, que indica reconhecimento do ambiente, estava preservada quatro meses após a infecção, mas foi perdida um mês depois. Levados para visitar um ambiente em dois dias seguidos, os animais controles não demonstraram interesse em explorar o espaço na segunda visita.

O mesmo aconteceu com os camundongos infectados há 120 dias. Porém, após 150 dias de infecção, os animais se comportaram, em ambos os dias, como se estivessem em um local novo.

“Esse teste mimetiza a situação de uma pessoa que sai, reconhece os locais e não se perde. Vimos que essa era uma memória preservada em um período da fase crônica, mas perdida com o avanço da doença”, explica Joseli.

Após cinco meses de infecção pelo T. cruzi, camundongos não demonstraram reconhecimento de objetos apresentados anteriormente. Foto: Reprodução

O segundo experimento avaliou o reconhecimento de objetos. Neste caso, os cientistas verificaram redução da habilidade quatro meses após a infecção, com agravamento no mês seguinte. No experimento, diante de dois objetos colocados no ambiente, um apresentado anteriormente e outro novo, os camundongos controle dirigiram-se principalmente para a novidade, enquanto os infectados fizeram pouca ou nenhuma distinção.

Por fim, foi investigada a memória de aversão, que se relaciona com experiências negativas e é considerada um mecanismo de defesa. Quatro meses após a infecção, 19% dos camundongos infectados não evitaram o local onde haviam presenciado uma pequena descarga elétrica no dia anterior. Um mês depois, o percentual subiu para 34%.

“Os três testes são importantes porque avaliam tipos diferentes de memória, que são armazenados em áreas distintas do cérebro. Os resultados mostram uma perda sequencial, que é uma característica comum de distúrbios associados ao envelhecimento e a doenças neurodegenerativas”, aponta a coordenadora do estudo, ressaltando que todos os experimentos seguiram protocolos de ética em pesquisa com animais. “Em todos os momentos, nos preocupamos com o bem-estar dos camundongos”, pontua Joseli.

Papel do parasito

Além de revelar a perda progressiva da memória, o estudo apontou mecanismos que podem estar por trás das alterações comportamentais na doença de Chagas crônica. Um fenômeno já identificado em pacientes, a atrofia cerebral – redução do tamanho do cérebro – foi registrada nos camundongos infectados.

O material genético do T. cruzi foi encontrado no hipocampo e no córtex cerebral, confirmando a persistência do parasito em áreas do cérebro importantes para a formação da memória. Nas mesmas regiões, os pesquisadores verificaram aumento de moléculas que são consideradas marcadores de lesão cerebral.

“A infecção parasitária pode levar a produção de citocinas [substâncias que participam da resposta contra infecções] que danificam os lipídios que compõem a membrana dos neurônios e de outras células do sistema nervoso central. No estudo, detectamos radicais que são acumulados quando ocorre um processo chamado de peroxidação de lipídios. Isso significa que membranas celulares estão sendo danificadas e já foi mostrado como um marcador de lesão do sistema nervoso central na doença de Alzheimer”, relata Joseli.

Considerando o possível papel do parasito nas alterações da memória, os pesquisadores decidiram avaliar o efeito da terapia com benznidazol, medicamento que atua contra o T. cruzi. O tratamento foi iniciado após quatro meses de infecção, quando os animais já apresentavam alguns problemas de memória.

A terapia preveniu a perda da memória de habituação espacial, reverteu os prejuízos observados no reconhecimento de objetos e impediu a progressão da perda da memória de aversão. Além disso, reduziu a carga parasitária e a presença de moléculas ligadas à peroxidação de lipídios no cérebro dos animais.

“Considerando as alterações observadas, o tratamento com benznidazol busca atuar na raiz do problema, que é a persistência do parasito”, diz Joseli.

Do paciente ao modelo

Os problemas cardíacos são a consequência mais frequente da infecção crônica pelo T. cruzi, aparecendo em 30% dos pacientes cerca de 20 a 30 anos após o contágio. No entanto, nos últimos anos, as evidências de que a doença de Chagas afeta também o sistema nervoso central têm crescido.

Entre as alterações comportamentais observadas em pacientes estão distúrbios de compreensão e percepção, perda de orientação e atenção. Pesquisas registram que alterações cognitivas são mais frequentes em pessoas com cardiopatia chagásica do que entre aquelas com outros distúrbios do coração.

Em estudo anterior, o grupo liderado por Joseli identificou que linhagens do T. cruzi circulantes no Brasil podem provocar desequilíbrios neuroquímicos, que resultam em quadros de depressão.

A pesquisadora destaca que a saúde mental na doença de Chagas sofre influência de fatores sociais, psicológicos e biológicos.

“Em geral, são pessoas pobres, que se descobrem portadoras de uma doença sem cura. Ao lado disso, a relação do parasito com o hospedeiro pode causar alterações neuroquímicas, que levam a alterações neuropsiquiátricas. No modelo experimental, buscamos o entendimento dos mecanismos biológicos envolvidos em quadros observados nos pacientes”, diz a cientista.

Insetos triatomíneos, popularmente chamados de barbeiros, são os vetores da doença de Chagas. Foto: Gutemberg Brito

Classificada como doença negligenciada, a doença de Chagas é transmitida por insetos triatomíneos, popularmente conhecidos como barbeiros. No Brasil, ações de controle vetorial adotadas a partir dos anos 1970 e melhorias nas condições habitacionais reduziram significativamente a disseminação do agravo.

No entanto, devido ao alto índice de transmissão no passado, o país tem entre 1,9 e 4,6 milhões de portadores crônicos, segundo o último consenso de especialistas.

“A maioria dos portadores da doença de Chagas tem mais de 45 anos e está vulnerável a problemas de memória associados ao envelhecimento. Nosso objetivo é encontrar caminhos para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”, ressalta Joseli.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)