A sede do Instituto Pasteur retratada por Oswaldo Cruz durante sua estadia em Paris. Acervo COC/Fiocruz.
Em 1887, com apenas 15 anos, Oswaldo Cruz ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se encantou com uma ciência nova que vinha transformando a medicina: a microbiologia. Porém, no nascimento do cientista, em 1872, a palavra micróbio ainda não era utilizada. Foi só em 1878, quando Oswaldo tinha 6 anos, que o cirurgião francês Charles Sédillot sugeriu o uso do termo na Academia de Ciências de Paris.
No começo dos anos 1870, a maior parte dos especialistas ainda acreditava que as doenças eram causadas por substâncias inorgânicas. Alguns defendiam que as moléstias eram propagadas por princípios físico-químicos transmitidos dos doentes para as pessoas saudáveis. Outros sustentavam que os agravos eram provocados por fatores do ambiente que pairavam no ar, chamados de miasmas.
Naquela época, porém, o cientista francês Louis Pasteur já desenvolvia estudos que destacavam o papel dos germes na natureza, iniciando a revolução pasteuriana. Suas pesquisas tinham derrubado a teoria da geração espontânea da vida, demonstrado o papel de microrganismos em processos de fermentação do vinho e do vinagre e revelado a contaminação por germes nas criações de bichos-da-seda, uma importante indústria na França do século XIX.
Em 1876, o pesquisador publicou o resultado de estudos sobre a cerveja, que confirmavam sua teoria sobre os germes na fermentação e nas “doenças” que azedavam a bebida. Foi o último passo para o início de investigações com o objetivo de comprovar a participação desses seres microscópicos nas doenças animais e humanas.
Mas Pasteur não era o único que se dedicava a desvendar o mundo microscópico. Naquele mesmo ano, o alemão Robert Koch descreveu a bactéria causadora do carbúnculo, uma doença que atingia os rebanhos de gado e ovelhas na Europa.
Nos anos seguintes, Pasteur e Koch identificaram bactérias causadoras de doenças humanas. Os dois pesquisadores realizaram descobertas fundamentais para o estabelecimento da teoria microbiana das doenças.
O historiador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) Jaime Benchimol chama atenção para o impacto do método desenvolvido por Pasteur para a produção de vacinas, utilizando microrganismos enfraquecidos em laboratório para estimular o sistema imune. “No Congresso Médico de 1881, em Londres, ele anuncia a perspectiva de que as doenças infecciosas poderiam ser controladas. É uma virada”, afirma Jaime.
As novas ideias não demoraram a repercutir no Brasil. Em 1884, o ensino na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foi reformado, com inspiração no modelo de ensino prático alemão. Assim, foi criado o laboratório de higiene, onde Oswaldo Cruz ingressou em 1888 e teve seu primeiro contato com a microbiologia.
Lista de estudantes matriculados na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, constando o nome de Oswaldo Cruz. Acervo COC/Fiocruz.
Na sua formatura, em 1892, o jovem de apenas 20 anos já demonstrava o talento para aplicar a microbiologia com o objetivo de investigar e resolver problemas de saúde do país, alinhado aos paradigmas mais recentes e com inovação.
Na tese “A veiculação microbiana pelas águas”, Oswaldo fez uma revisão crítica dos conhecimentos sobre a microbiologia das águas e analisou amostras de diferentes procedências no Rio de Janeiro: água de abastecimento da cidade, gelo fabricado para consumo, águas de riachos dos arredores do Jardim Botânico e da lagoa Rodrigo de Freitas, entre outras fontes.
O cientista identificou os diferentes tipos de microrganismos nas amostras e observou que bactérias naturais do ambiente poderiam atuar como reguladoras, reduzindo a presença de micróbios causadores de doença na água. Também criou um equipamento para coleta de água e propôs um novo tipo de filtro para purificação.
O trabalho poderia ser descrito hoje como uma abordagem de Saúde Única, conceito que ganhou destaque nas últimas décadas, com o avanço de doenças associadas à interface entre humanos, animais e o ambiente, como a Covid-19.
Aparelho desenvolvido na tese apresentada à faculdade de medicina para coleta de água de diferentes profundidades (Reprodução a partir da obra "Oswaldo Gonçalves Cruz: Opera Omnia").
No IOC, a visão integrada sobre a saúde é um marco desde o início das atividades e permanece fundamental. Atualmente, ao menos 25 laboratórios desenvolvem pesquisas ambientais e trabalhos de campo no Instituto, segundo levantamento publicado em 2021.
A habilidade de Oswaldo na microbiologia foi demonstrada ainda na sua primeira experiência na saúde pública. Em 1894, ele foi convidado a integrar a comissão que investigava casos suspeitos de cólera no Vale do Paraíba, liderada pelos renomados médicos Francisco Fajardo e Eduardo Chapot-Prévost.
As análises das amostras foram realizadas nos laboratórios mantidos em suas residências por Oswaldo e Chapot-Prévost. Os cientistas identificaram o Vibrio comma, também chamado de bacilo-vírgula, que tinha sido descrito apenas um ano antes por Koch como causador do cólera.
“Oswaldo Cruz não viajou ao Vale do Paraíba, mas amostras foram levadas para o laboratório dele. Era complexo demonstrar que aquele era o vibrião do cólera. Os testes eram complicados e tinham acabaram de ser desenvolvidos”, destaca Jaime.
A paixão pela microbiologia levou Oswaldo ao Instituto Pasteur, de Paris. Chegando à capital francesa em 1896, apenas um ano após a morte de Pasteur, ele aperfeiçoou seus conhecimentos e aprendeu com discípulos do mestre sobre a produção de vacinas e soros.
De volta ao Brasil, foi enviado pelo governo federal para investigar um surto no porto de Santos, juntamente com Adolpho Lutz e Vital Brazil, que atuavam Instituto Bacteriológico de São Paulo.
Caderno de experimentação datado de 1901 com detalhes da rotina de ensaios relacionada à produção do soro e da vacina para peste bubônica. Acervo COC/Fiocruz
A identificação da bactéria causadora da peste bubônica motivou a criação do Instituto Soroterápico no Rio de Janeiro. Oswaldo assumiu como diretor técnico da unidade, que tinha como diretor geral o Barão de Pedro Affonso.
Em 1902, com o afastamento de Pedro Affonso, Oswaldo se tornou diretor geral do Instituto, que em 1908 passaria a levar seu nome. O cientista transformou a instituição criada para produzir soros e vacinas num centro de pesquisas e formação de especialistas. [Para saber mais sobre a trajetória/sobre a vida e a obra do cientista, acesse o projeto “Oswaldo Inspira”]
Com apenas 30 anos, Oswaldo assumiu também a Diretoria Geral de Saúde Pública do Brasil, em 1903. Na campanha contra a febre amarela, uma das ações que mais projetaram o sanitarista como figura pública, ele adotou uma abordagem inovadora. Confira na reportagem seguinte.
A sede do Instituto Pasteur retratada por Oswaldo Cruz durante sua estadia em Paris. Acervo COC/Fiocruz.
Em 1887, com apenas 15 anos, Oswaldo Cruz ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se encantou com uma ciência nova que vinha transformando a medicina: a microbiologia. Porém, no nascimento do cientista, em 1872, a palavra micróbio ainda não era utilizada. Foi só em 1878, quando Oswaldo tinha 6 anos, que o cirurgião francês Charles Sédillot sugeriu o uso do termo na Academia de Ciências de Paris.
No começo dos anos 1870, a maior parte dos especialistas ainda acreditava que as doenças eram causadas por substâncias inorgânicas. Alguns defendiam que as moléstias eram propagadas por princípios físico-químicos transmitidos dos doentes para as pessoas saudáveis. Outros sustentavam que os agravos eram provocados por fatores do ambiente que pairavam no ar, chamados de miasmas.
Naquela época, porém, o cientista francês Louis Pasteur já desenvolvia estudos que destacavam o papel dos germes na natureza, iniciando a revolução pasteuriana. Suas pesquisas tinham derrubado a teoria da geração espontânea da vida, demonstrado o papel de microrganismos em processos de fermentação do vinho e do vinagre e revelado a contaminação por germes nas criações de bichos-da-seda, uma importante indústria na França do século XIX.
Em 1876, o pesquisador publicou o resultado de estudos sobre a cerveja, que confirmavam sua teoria sobre os germes na fermentação e nas “doenças” que azedavam a bebida. Foi o último passo para o início de investigações com o objetivo de comprovar a participação desses seres microscópicos nas doenças animais e humanas.
Mas Pasteur não era o único que se dedicava a desvendar o mundo microscópico. Naquele mesmo ano, o alemão Robert Koch descreveu a bactéria causadora do carbúnculo, uma doença que atingia os rebanhos de gado e ovelhas na Europa.
Nos anos seguintes, Pasteur e Koch identificaram bactérias causadoras de doenças humanas. Os dois pesquisadores realizaram descobertas fundamentais para o estabelecimento da teoria microbiana das doenças.
O historiador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) Jaime Benchimol chama atenção para o impacto do método desenvolvido por Pasteur para a produção de vacinas, utilizando microrganismos enfraquecidos em laboratório para estimular o sistema imune. “No Congresso Médico de 1881, em Londres, ele anuncia a perspectiva de que as doenças infecciosas poderiam ser controladas. É uma virada”, afirma Jaime.
As novas ideias não demoraram a repercutir no Brasil. Em 1884, o ensino na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foi reformado, com inspiração no modelo de ensino prático alemão. Assim, foi criado o laboratório de higiene, onde Oswaldo Cruz ingressou em 1888 e teve seu primeiro contato com a microbiologia.
Lista de estudantes matriculados na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, constando o nome de Oswaldo Cruz. Acervo COC/Fiocruz.
Na sua formatura, em 1892, o jovem de apenas 20 anos já demonstrava o talento para aplicar a microbiologia com o objetivo de investigar e resolver problemas de saúde do país, alinhado aos paradigmas mais recentes e com inovação.
Na tese “A veiculação microbiana pelas águas”, Oswaldo fez uma revisão crítica dos conhecimentos sobre a microbiologia das águas e analisou amostras de diferentes procedências no Rio de Janeiro: água de abastecimento da cidade, gelo fabricado para consumo, águas de riachos dos arredores do Jardim Botânico e da lagoa Rodrigo de Freitas, entre outras fontes.
O cientista identificou os diferentes tipos de microrganismos nas amostras e observou que bactérias naturais do ambiente poderiam atuar como reguladoras, reduzindo a presença de micróbios causadores de doença na água. Também criou um equipamento para coleta de água e propôs um novo tipo de filtro para purificação.
O trabalho poderia ser descrito hoje como uma abordagem de Saúde Única, conceito que ganhou destaque nas últimas décadas, com o avanço de doenças associadas à interface entre humanos, animais e o ambiente, como a Covid-19.
Aparelho desenvolvido na tese apresentada à faculdade de medicina para coleta de água de diferentes profundidades (Reprodução a partir da obra "Oswaldo Gonçalves Cruz: Opera Omnia").
No IOC, a visão integrada sobre a saúde é um marco desde o início das atividades e permanece fundamental. Atualmente, ao menos 25 laboratórios desenvolvem pesquisas ambientais e trabalhos de campo no Instituto, segundo levantamento publicado em 2021.
A habilidade de Oswaldo na microbiologia foi demonstrada ainda na sua primeira experiência na saúde pública. Em 1894, ele foi convidado a integrar a comissão que investigava casos suspeitos de cólera no Vale do Paraíba, liderada pelos renomados médicos Francisco Fajardo e Eduardo Chapot-Prévost.
As análises das amostras foram realizadas nos laboratórios mantidos em suas residências por Oswaldo e Chapot-Prévost. Os cientistas identificaram o Vibrio comma, também chamado de bacilo-vírgula, que tinha sido descrito apenas um ano antes por Koch como causador do cólera.
“Oswaldo Cruz não viajou ao Vale do Paraíba, mas amostras foram levadas para o laboratório dele. Era complexo demonstrar que aquele era o vibrião do cólera. Os testes eram complicados e tinham acabaram de ser desenvolvidos”, destaca Jaime.
A paixão pela microbiologia levou Oswaldo ao Instituto Pasteur, de Paris. Chegando à capital francesa em 1896, apenas um ano após a morte de Pasteur, ele aperfeiçoou seus conhecimentos e aprendeu com discípulos do mestre sobre a produção de vacinas e soros.
De volta ao Brasil, foi enviado pelo governo federal para investigar um surto no porto de Santos, juntamente com Adolpho Lutz e Vital Brazil, que atuavam Instituto Bacteriológico de São Paulo.
Caderno de experimentação datado de 1901 com detalhes da rotina de ensaios relacionada à produção do soro e da vacina para peste bubônica. Acervo COC/Fiocruz
A identificação da bactéria causadora da peste bubônica motivou a criação do Instituto Soroterápico no Rio de Janeiro. Oswaldo assumiu como diretor técnico da unidade, que tinha como diretor geral o Barão de Pedro Affonso.
Em 1902, com o afastamento de Pedro Affonso, Oswaldo se tornou diretor geral do Instituto, que em 1908 passaria a levar seu nome. O cientista transformou a instituição criada para produzir soros e vacinas num centro de pesquisas e formação de especialistas. [Para saber mais sobre a trajetória/sobre a vida e a obra do cientista, acesse o projeto “Oswaldo Inspira”]
Com apenas 30 anos, Oswaldo assumiu também a Diretoria Geral de Saúde Pública do Brasil, em 1903. Na campanha contra a febre amarela, uma das ações que mais projetaram o sanitarista como figura pública, ele adotou uma abordagem inovadora. Confira na reportagem seguinte.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)