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1926 a 1975: contribuições decisivas na saúde pública, 'massacre de Manguinhos' e criação da Fiocruz

O IOC teve papel fundamental para o controle da bouba e a erradicação da varíola no Brasil. Em 1970, foi duramente atingido pela ditadura militar, com a cassação de dez cientistas, e iniciou uma nova fase institucional a partir da criação da Fiocruz
Por Maíra Menezes29/05/2025 - Atualizado em 02/06/2025

Mantendo a atuação no ensino, pesquisa e produção, o IOC deu contribuições decisivas para o controle de doenças no Brasil, como a bouba e a varíola. A ampliação da presença das mulheres nos laboratórios e o pioneirismo na microscopia eletrônica também foram marcos do período. No contexto de ataques da ditadura militar à ciência, o Instituto foi duramente atingido, com a cassação de dez pesquisadores. Uma nova fase institucional se iniciou com a criação da Fiocruz, que integrou órgãos da saúde pública. Confira na linha do tempo.

Acima, a partir da esquerda: Zenaide Block, Maria Isabel Mello, Maria Deane, Alina Perlowagora-Szumlewicz e Jane Lenzi. Abaixo, a partir da esquerda: Rita Alves Cardoso, Bertha Lutz e Peggy Pereira. Fotos: Acervos Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e Instituto de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz)

Cientistas pioneiras abriram as portas dos laboratórios do IOC para as mulheres, que hoje são cerca de 60% da força de trabalho do Instituto, ocupando 55% dos cargos de chefia. Uma das primeiras foi Bertha Lutz, que aceitou ser contratada como tradutora, em 1919, para atuar em pesquisas ao lado do pai, Adolpho Lutz, antes de ingressar por concurso no Museu Nacional.

Nos anos 1920, o 'Curso de Aplicação' recebeu as primeiras mulheres. Zenaide Block foi a pioneira, em 1926. O ingresso da primeira geração de pesquisadoras nos laboratórios ocorreu nos anos 1930. Entre elas, a médica patologista Rita Alves Cardoso, que se tornou chefe do Museu do IOC, e a farmacêutica Maria Isabel Mello, que alcançou o cargo de chefe da Seção de Endocrinologia.

Outras mulheres nascidas no começo do século XX marcaram a trajetória do Instituto. A polonesa Alina Perlowagora-Szumlewicz chegou ao Rio de Janeiro fugindo do nazismo, atuou no laboratório da Fundação Rockfeller e no Instituto Nacional de Endemias Rurais (Ineru), que foi integrado à Fiocruz em 1970, concluindo sua carreira no IOC.

Mulheres expoentes da ciência ingressaram no Instituto na retomada científica dos anos 1980: Maria Deane assumiu o Departamento de Protozoologia; Marguerite (Peggy) Pereira atuou na virologia, especialmente nos estudos do HIV, e Jane Lenzi foi chefe do Laboratório de Patologia, contribuindo na recuperação do Museu da Patologia. 

Abaixo, vista do campus entre 1960 e 1970: o Pavilhão Arthur Neiva em primeiro plano e, ao fundo, o Pavilhão Carlos Chagas, de estilo modernista, próximo ao Quinino e ao Pavilhão Mourisco, de estilo eclético. Acima, observam-se o mural de azulejos e paisagismo criados por Burle Marx. Fotos: Acervo COC/Fiocruz

Nos anos 1940 e 1950, construções modernistas foram erguidas no campus de Manguinhos para abrigar a expansão das atividades do IOC. Projetado pelo arquiteto Jorge Ferreira, o Pavilhão Arthur Neiva, também conhecido como Pavilhão de Cursos, conta com mural de azulejos e paisagismo concebidos por Burle Marx. Até hoje, abriga auditório, atividades de ensino e laboratórios.

O mesmo arquiteto foi responsável pelo projeto do Pavilhão do Refeitório Central, que recebeu painel de azulejos do artista Paulo Osir Rossi e foi premiado com menção do júri na 1ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 1951. Os dois edifícios foram tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) do Rio de Janeiro.

Completam o conjunto modernista: o Pavilhão Carlos Chagas, chamado de Pavilhão de Patologia, que foi projetado pela arquiteta Olenka Freire Greve e sedia diversos laboratórios do IOC, e o Pavilhão Henrique Aragão, identificado como Pavilhão da Febre Amarela, que foi projetado pelo arquiteto Roberto Nadalutti e atualmente integra a estrutura do Instituto de Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). 

 
Reprodução de artigo publicado em 'Memórias', em 1955, e imagens recentes de microscopia eletrônica, coloridas artificialmente, do verme Diomedenema tavaresi (à esquerda) e do parasito Trypanosoma janseni. Autores: Marcelo Knoff, Delir Corrêa Gomes, Jeannie Nascimento dos Santos, Elaine Guerreiro Giese e Ângela Teresa Silva-Souza (D. tavaresi) e Rubem Menna-Barreto (T. janseni)

Instalado em 1947, o primeiro microscópio eletrônico do IOC foi também um dos primeiros do Brasil. Com poder de resolução muito superior aos microscópios óticos, o aparelho permitia observar detalhes de estruturas no interior das células e contribuiu, por exemplo, com estudos sobre o bacilo da hanseníase. Embora este equipamento tenha permanecido pouco tempo em funcionamento, um acordo de cooperação, nos anos 1970, consolidou a atuação do IOC na microscopia eletrônica.

A criação do Centro de Microscopia Eletrônica (CME), em parceria com o Instituto Bernhard Nocht, da Alemanha, incluiu instalação de equipamentos e treinamento de profissionais. A iniciativa está na origem da Plataforma de Microscopia Eletrônica Rudolf Barth, que atualmente atende os laboratórios do Instituto e instituições de todo o país. A estrutura faz parte do conjunto de plataformas multiusuários do IOC, que contam com equipamentos de alto desempenho e equipes especializadas.  
 

Acima, Felipe Nery Guimarães e integrantes da equipe em frente ao Posto de Estudos sobre a Bouba do IOC em Araruama, RJ, nos anos 1940, e reprodução de artigo publicado em 'Memórias' em 1944. Abaixo, Alexander Fleming (de terno preto, na frente, à esquerda) durante o V Congresso Internacional de Microbiologia, que comemorou o cinquentenário do IOC. Fotos: Acervo COC/Fiocruz

Primeiro antibiótico descoberto, a penicilina revolucionou o tratamento das infecções bacterianas. Em 1943, três anos depois da primeira aplicação da terapia na Inglaterra, pesquisadores começaram a produzir o fármaco no IOC. No ano seguinte, publicaram o primeiro artigo sobre tratamento de uma endemia rural negligenciada: a bouba. A doença altamente contagiosa afeta a pele, cartilagem e ossos e era combatida com isolamento dos pacientes em barracões.

De 1945 a 1955, o IOC realizou um programa de tratamento no interior do Rio de Janeiro, que conseguiu controlar a doença protegendo cerca de 30 mil pessoas. Os resultados impressionaram o autor da descoberta da penicilina, Alexander Fleming, durante o congresso promovido pelo cinquentenário do IOC, no Rio, em 1950, e foram apresentados em simpósio internacional da OMS, em 1952, contribuindo para a construção do programa de erradicação do agravo.

No Brasil, a campanha contra a bouba foi coordenada pelo pesquisador do IOC, Felipe Nery Guimarães. Nos anos 1970, a doença deixou de ser registrada no país. Segundo a OMS, a infecção permanece endêmica em 15 países. A meta atual é extinguir a bouba até 2030. 

 
Registros da campanha de vacinação que mobilizou o país: mulher sendo vacinada em São Luís, Maranhão, e multidão reunida para imunização em Itajaí, Santa Catarina, em 1970. Fotos: Acervo COC/Fiocruz

A varíola foi a primeira doença erradicada no planeta e, até hoje, a única. No Brasil, o IOC foi o maior responsável pela produção da vacina contra o agravo. O imunizante era um produto antigo, fabricado no país desde os tempos do Instituto Vacínico, do barão de Pedro Affonso, primeiro diretor do IOC. Porém, a produção precisava ser modernizada para dar conta da campanha nacional de vacinação em massa.

Com novos equipamentos comprados por meio de convênio com a Opas e técnicas aprimoradas a partir de experiências de outros países e pesquisas locais, o IOC passou a contar com duas linhas de produção da vacina, utilizando vitelos e ovos. Testes de campo confirmaram que os produtos preparados pelo Instituto eram tão eficazes quanto os dos Estados Unidos. Em nove anos, de 1962 a 1971, o IOC produziu cerca de 200 milhões de doses da vacina. A varíola foi extinta no Brasil em 1971 e declarada globalmente erradicada em 1980. 

Notícias jornais sobre a cassação dos pesquisadores do IOC e a mobilização a favor dos cientistas, reunidas pelo pesquisador Herman Lent, autor do livro 'O massacre de Manguinhos'. Foto: Acervo COC/Fiocruz

Em 1º de abril de 1970, com base no Ato Institucional nº 5 (AI-5), oito pesquisadores do IOC tiveram seus direitos políticos cassados pela Ditadura Militar. No dia 6 de abril, o decreto que determinou a aposentadoria dos cientistas incluiu mais dois nomes no grupo, elevando para dez o total de atingidos pelo ‘massacre de Manguinhos’.

Foram cassados: Augusto Perissé, Domingos Arthur Machado, Fernando Braga Ubatuba, Haity Moussatché, Herman Lent, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Moacyr Vaz de Andrade, Sebastião José de Oliveira e Tito Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. 

O IOC perdeu 14% do seu quadro de pesquisadores. Mais que isso, os cientistas afastados eram líderes de grupos de pesquisa, ultrapassando 20 ou 30 anos de atuação. A perseguição política extinguiu linhas de estudo, afetou a formação de estudantes e desmantelou coleções biológicas, mergulhando o IOC numa profunda crise institucional e financeira. O episódio ficou conhecido como 'massacre de Manguinhos', termo cunhado por Herman Lent no livro homônimo, lançado em 1978.

A cassação dos pesquisadores do IOC se deu num contexto de ataques da ditadura militar à ciência, que incluiu prisões, exílios e desestruturação de universidade e instituições científicas. A Comissão Nacional da Verdade estima entre 800 e mil o número de pesquisadores perseguidos pelo regime.

Também conhecido como Castelo da Fiocruz, o Pavilhão Mourisco tornou-se o símbolo da instituição. Foto: Peter Ilicciev/Fiocruz Imagens

Em 22 de maio de 1970, a Fundação de Recursos Humanos para a Saúde foi transformada em Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). A nova instituição reuniu diversos órgãos do Ministério da Saúde: o IOC, considerado como cellula mater da Fiocruz; o Serviço de Produtos Profiláticos e os Institutos Fernandes Figueira, Evandro Chagas, de Leprologia e Nacional de Endemias Rurais. Em 1974, a instituição passou a se chamar Fundação Oswaldo Cruz (mantendo o acrônimo Fiocruz).  

Inicialmente marcado pela carência de recursos, o cenário da instituição começou a mudar na segunda metade da década, quando a epidemia de meningite deixou clara a vulnerabilidade do país na saúde pública e foi iniciada uma nova política de ciência e tecnologia, que colocou a recuperação de Manguinhos como prioridade.

Os anos seguintes foram marcados pela retomada científica, a volta da democracia e a atuação central no enfrentamento de emergências de saúde pública, da chegada da dengue e do HIV ao Brasil à pandemia de Covid-19. Confira na próxima reportagem da linha do tempo.

:: Confira as principais referências bibliográficas consultadas para a produção da 'Linha do tempo: IOC 125 anos'.

O IOC teve papel fundamental para o controle da bouba e a erradicação da varíola no Brasil. Em 1970, foi duramente atingido pela ditadura militar, com a cassação de dez cientistas, e iniciou uma nova fase institucional a partir da criação da Fiocruz
Por: 
maira

Mantendo a atuação no ensino, pesquisa e produção, o IOC deu contribuições decisivas para o controle de doenças no Brasil, como a bouba e a varíola. A ampliação da presença das mulheres nos laboratórios e o pioneirismo na microscopia eletrônica também foram marcos do período. No contexto de ataques da ditadura militar à ciência, o Instituto foi duramente atingido, com a cassação de dez pesquisadores. Uma nova fase institucional se iniciou com a criação da Fiocruz, que integrou órgãos da saúde pública. Confira na linha do tempo.

Acima, a partir da esquerda: Zenaide Block, Maria Isabel Mello, Maria Deane, Alina Perlowagora-Szumlewicz e Jane Lenzi. Abaixo, a partir da esquerda: Rita Alves Cardoso, Bertha Lutz e Peggy Pereira. Fotos: Acervos Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e Instituto de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz)

Cientistas pioneiras abriram as portas dos laboratórios do IOC para as mulheres, que hoje são cerca de 60% da força de trabalho do Instituto, ocupando 55% dos cargos de chefia. Uma das primeiras foi Bertha Lutz, que aceitou ser contratada como tradutora, em 1919, para atuar em pesquisas ao lado do pai, Adolpho Lutz, antes de ingressar por concurso no Museu Nacional.

Nos anos 1920, o 'Curso de Aplicação' recebeu as primeiras mulheres. Zenaide Block foi a pioneira, em 1926. O ingresso da primeira geração de pesquisadoras nos laboratórios ocorreu nos anos 1930. Entre elas, a médica patologista Rita Alves Cardoso, que se tornou chefe do Museu do IOC, e a farmacêutica Maria Isabel Mello, que alcançou o cargo de chefe da Seção de Endocrinologia.

Outras mulheres nascidas no começo do século XX marcaram a trajetória do Instituto. A polonesa Alina Perlowagora-Szumlewicz chegou ao Rio de Janeiro fugindo do nazismo, atuou no laboratório da Fundação Rockfeller e no Instituto Nacional de Endemias Rurais (Ineru), que foi integrado à Fiocruz em 1970, concluindo sua carreira no IOC.

Mulheres expoentes da ciência ingressaram no Instituto na retomada científica dos anos 1980: Maria Deane assumiu o Departamento de Protozoologia; Marguerite (Peggy) Pereira atuou na virologia, especialmente nos estudos do HIV, e Jane Lenzi foi chefe do Laboratório de Patologia, contribuindo na recuperação do Museu da Patologia. 

Abaixo, vista do campus entre 1960 e 1970: o Pavilhão Arthur Neiva em primeiro plano e, ao fundo, o Pavilhão Carlos Chagas, de estilo modernista, próximo ao Quinino e ao Pavilhão Mourisco, de estilo eclético. Acima, observam-se o mural de azulejos e paisagismo criados por Burle Marx. Fotos: Acervo COC/Fiocruz

Nos anos 1940 e 1950, construções modernistas foram erguidas no campus de Manguinhos para abrigar a expansão das atividades do IOC. Projetado pelo arquiteto Jorge Ferreira, o Pavilhão Arthur Neiva, também conhecido como Pavilhão de Cursos, conta com mural de azulejos e paisagismo concebidos por Burle Marx. Até hoje, abriga auditório, atividades de ensino e laboratórios.

O mesmo arquiteto foi responsável pelo projeto do Pavilhão do Refeitório Central, que recebeu painel de azulejos do artista Paulo Osir Rossi e foi premiado com menção do júri na 1ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 1951. Os dois edifícios foram tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) do Rio de Janeiro.

Completam o conjunto modernista: o Pavilhão Carlos Chagas, chamado de Pavilhão de Patologia, que foi projetado pela arquiteta Olenka Freire Greve e sedia diversos laboratórios do IOC, e o Pavilhão Henrique Aragão, identificado como Pavilhão da Febre Amarela, que foi projetado pelo arquiteto Roberto Nadalutti e atualmente integra a estrutura do Instituto de Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). 

 
Reprodução de artigo publicado em 'Memórias', em 1955, e imagens recentes de microscopia eletrônica, coloridas artificialmente, do verme Diomedenema tavaresi (à esquerda) e do parasito Trypanosoma janseni. Autores: Marcelo Knoff, Delir Corrêa Gomes, Jeannie Nascimento dos Santos, Elaine Guerreiro Giese e Ângela Teresa Silva-Souza (D. tavaresi) e Rubem Menna-Barreto (T. janseni)

Instalado em 1947, o primeiro microscópio eletrônico do IOC foi também um dos primeiros do Brasil. Com poder de resolução muito superior aos microscópios óticos, o aparelho permitia observar detalhes de estruturas no interior das células e contribuiu, por exemplo, com estudos sobre o bacilo da hanseníase. Embora este equipamento tenha permanecido pouco tempo em funcionamento, um acordo de cooperação, nos anos 1970, consolidou a atuação do IOC na microscopia eletrônica.

A criação do Centro de Microscopia Eletrônica (CME), em parceria com o Instituto Bernhard Nocht, da Alemanha, incluiu instalação de equipamentos e treinamento de profissionais. A iniciativa está na origem da Plataforma de Microscopia Eletrônica Rudolf Barth, que atualmente atende os laboratórios do Instituto e instituições de todo o país. A estrutura faz parte do conjunto de plataformas multiusuários do IOC, que contam com equipamentos de alto desempenho e equipes especializadas.  
 

Acima, Felipe Nery Guimarães e integrantes da equipe em frente ao Posto de Estudos sobre a Bouba do IOC em Araruama, RJ, nos anos 1940, e reprodução de artigo publicado em 'Memórias' em 1944. Abaixo, Alexander Fleming (de terno preto, na frente, à esquerda) durante o V Congresso Internacional de Microbiologia, que comemorou o cinquentenário do IOC. Fotos: Acervo COC/Fiocruz

Primeiro antibiótico descoberto, a penicilina revolucionou o tratamento das infecções bacterianas. Em 1943, três anos depois da primeira aplicação da terapia na Inglaterra, pesquisadores começaram a produzir o fármaco no IOC. No ano seguinte, publicaram o primeiro artigo sobre tratamento de uma endemia rural negligenciada: a bouba. A doença altamente contagiosa afeta a pele, cartilagem e ossos e era combatida com isolamento dos pacientes em barracões.

De 1945 a 1955, o IOC realizou um programa de tratamento no interior do Rio de Janeiro, que conseguiu controlar a doença protegendo cerca de 30 mil pessoas. Os resultados impressionaram o autor da descoberta da penicilina, Alexander Fleming, durante o congresso promovido pelo cinquentenário do IOC, no Rio, em 1950, e foram apresentados em simpósio internacional da OMS, em 1952, contribuindo para a construção do programa de erradicação do agravo.

No Brasil, a campanha contra a bouba foi coordenada pelo pesquisador do IOC, Felipe Nery Guimarães. Nos anos 1970, a doença deixou de ser registrada no país. Segundo a OMS, a infecção permanece endêmica em 15 países. A meta atual é extinguir a bouba até 2030. 

 
Registros da campanha de vacinação que mobilizou o país: mulher sendo vacinada em São Luís, Maranhão, e multidão reunida para imunização em Itajaí, Santa Catarina, em 1970. Fotos: Acervo COC/Fiocruz

A varíola foi a primeira doença erradicada no planeta e, até hoje, a única. No Brasil, o IOC foi o maior responsável pela produção da vacina contra o agravo. O imunizante era um produto antigo, fabricado no país desde os tempos do Instituto Vacínico, do barão de Pedro Affonso, primeiro diretor do IOC. Porém, a produção precisava ser modernizada para dar conta da campanha nacional de vacinação em massa.

Com novos equipamentos comprados por meio de convênio com a Opas e técnicas aprimoradas a partir de experiências de outros países e pesquisas locais, o IOC passou a contar com duas linhas de produção da vacina, utilizando vitelos e ovos. Testes de campo confirmaram que os produtos preparados pelo Instituto eram tão eficazes quanto os dos Estados Unidos. Em nove anos, de 1962 a 1971, o IOC produziu cerca de 200 milhões de doses da vacina. A varíola foi extinta no Brasil em 1971 e declarada globalmente erradicada em 1980. 

Notícias jornais sobre a cassação dos pesquisadores do IOC e a mobilização a favor dos cientistas, reunidas pelo pesquisador Herman Lent, autor do livro 'O massacre de Manguinhos'. Foto: Acervo COC/Fiocruz

Em 1º de abril de 1970, com base no Ato Institucional nº 5 (AI-5), oito pesquisadores do IOC tiveram seus direitos políticos cassados pela Ditadura Militar. No dia 6 de abril, o decreto que determinou a aposentadoria dos cientistas incluiu mais dois nomes no grupo, elevando para dez o total de atingidos pelo ‘massacre de Manguinhos’.

Foram cassados: Augusto Perissé, Domingos Arthur Machado, Fernando Braga Ubatuba, Haity Moussatché, Herman Lent, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Moacyr Vaz de Andrade, Sebastião José de Oliveira e Tito Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. 

O IOC perdeu 14% do seu quadro de pesquisadores. Mais que isso, os cientistas afastados eram líderes de grupos de pesquisa, ultrapassando 20 ou 30 anos de atuação. A perseguição política extinguiu linhas de estudo, afetou a formação de estudantes e desmantelou coleções biológicas, mergulhando o IOC numa profunda crise institucional e financeira. O episódio ficou conhecido como 'massacre de Manguinhos', termo cunhado por Herman Lent no livro homônimo, lançado em 1978.

A cassação dos pesquisadores do IOC se deu num contexto de ataques da ditadura militar à ciência, que incluiu prisões, exílios e desestruturação de universidade e instituições científicas. A Comissão Nacional da Verdade estima entre 800 e mil o número de pesquisadores perseguidos pelo regime.

Também conhecido como Castelo da Fiocruz, o Pavilhão Mourisco tornou-se o símbolo da instituição. Foto: Peter Ilicciev/Fiocruz Imagens

Em 22 de maio de 1970, a Fundação de Recursos Humanos para a Saúde foi transformada em Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). A nova instituição reuniu diversos órgãos do Ministério da Saúde: o IOC, considerado como cellula mater da Fiocruz; o Serviço de Produtos Profiláticos e os Institutos Fernandes Figueira, Evandro Chagas, de Leprologia e Nacional de Endemias Rurais. Em 1974, a instituição passou a se chamar Fundação Oswaldo Cruz (mantendo o acrônimo Fiocruz).  

Inicialmente marcado pela carência de recursos, o cenário da instituição começou a mudar na segunda metade da década, quando a epidemia de meningite deixou clara a vulnerabilidade do país na saúde pública e foi iniciada uma nova política de ciência e tecnologia, que colocou a recuperação de Manguinhos como prioridade.

Os anos seguintes foram marcados pela retomada científica, a volta da democracia e a atuação central no enfrentamento de emergências de saúde pública, da chegada da dengue e do HIV ao Brasil à pandemia de Covid-19. Confira na próxima reportagem da linha do tempo.

:: Confira as principais referências bibliográficas consultadas para a produção da 'Linha do tempo: IOC 125 anos'.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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