A história do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) começou em 25 de maio de 1900, com a criação do Instituto Soroterápico Federal para combater a peste. Tendo a liderança de Oswaldo Cruz e uma pequena equipe de jovens cientistas, a instituição fundada para produzir soro e vacina foi transformada num centro de medicina experimental inédito no Brasil.
Na primeira reportagem da série especial Linha do tempo: IOC 125 anos, conheça alguns marcos dos primeiros anos do IOC, que incluem descobertas cientÃficas, pioneirismo no ensino, expedições ao interior do paÃs e a construção de um castelo para a ciência, entre outros fatos.
Vista das instalações do Instituto Soroterápico Federal por volta de 1900 a 1903. Ao centro laboratório, à direita cocheira e à esquerda o biotério. Foto: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
Em outubro de 1899, uma epidemia de peste foi diagnosticada em Santos. A doença era temida há séculos, mas a recente criação de soro e vacina contra o agravo permitiam um novo enfrentamento através da ciência. Para produzir os antÃdotos, a prefeitura do Rio de Janeiro decidiu criar o Instituto Soroterápico. O cirurgião barão de Pedro Affonso, proprietário do Instituto VacÃnico, que produzia vacina contra a varÃola, foi nomeado diretor geral do órgão e convidou Oswaldo Cruz para a direção técnica. O jovem médico tinha retornado há pouco de longo estágio no Instituto Pasteur, na França, e atuara no diagnóstico da peste em Santos.
A sede da instituição foi estabelecida na Fazenda de Manguinhos, um antigo engenho de açúcar, sendo os primeiros laboratórios montados em duas casas da propriedade. Transferido para gestão da União, o Instituto Soroterápico Federal entrou em atividade no dia 25 de maio de 1900. Em apenas seis meses, foi estabelecida a produção de soro e vacina contra a peste. Preparados por uma pequena equipe, com métodos aprimorados por Oswaldo Cruz, os imunobiológicos foram internacionalmente reconhecidos como excelentes.
Oswaldo Cruz ao microscópio em laboratório de Manguinhos, em 1910, observado por seu filho Bento Oswaldo Cruz e por Burle de Figueiredo, em registro feito pelo fotógrafo J. Pinto. Aos 29 anos, em retrato de 1901. Durante sessão cientÃfica no Instituto Soroterápico Federal, em 1904. Ex-libris utilizado para marcar os livros do cientista, com a inscrição 'fé eterna na sciencia'. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
Em 1902, aos 30 anos, Oswaldo Cruz assumiu a direção geral do Instituto Soroterápico, após a renúncia do barão de Pedro Affonso. No ano seguinte, tornou-se diretor geral de Saúde Pública do Brasil. Acumulando as funções, liderou simultaneamente as ações para controlar a febre amarela, a varÃola e a peste na capital federal e a transformação do Instituto Soroterápico num centro de medicina experimental inédito no Brasil, integrando ensino, pesquisa e produção.
Em meio à atividade intensa das campanhas sanitárias, Oswaldo ia três vezes por semana a Manguinhos para supervisionar as atividades. Foi o autor dos primeiros artigos cientÃficos publicados e o orientador das primeiras teses produzidas no local. Em relatórios oficiais, defendia a importância de gerar conhecimentos originais para resolver os problemas de saúde pública do Brasil.
O cientista permaneceu à frente da Instituição até 1917, liderando a criação da revista cientÃfica 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’ e do 'Curso de Aplicação'. Se afastou da função devido à doença renal, que causou sua morte precoce, aos 44 anos. Além das contribuições cientÃficas pessoais, deixou como legado uma instituição reconhecida dentro e fora do paÃs e uma geração de discÃpulos, que se tornaram expoentes da ciência.
Vista do Pavilhão Mourisco entre 1910 e 1920 em foto feita por J. Pinto. O Castelo cercado pelas construções do núcleo arquitetônico histórico de Manguinhos, em 1919. Desenho elaborado por Oswaldo Cruz entregue a Luiz de Moraes Júnior. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
ConstruÃdo entre 1905 e 1918, o Pavilhão Mourisco, também conhecido como Castelo de Manguinhos, foi idealizado por Oswaldo Cruz e projetado pelo arquiteto português Luiz de Moraes Júnior. O estilo mourisco foi escolhido por Oswaldo, que desenhou esboços do edifÃcio. Moraes Júnior criou um Ãcone da arquitetura eclética, modernamente equipado, para abrigar laboratórios, escritórios, biblioteca e museu de coleções biológicas, além de estúdio fotográfico, tipografia, oficinas e dormitórios.
O primeiro conjunto arquitetônico do campus inclui também: Cavalariça, onde ficavam os cavalos para produção de soros; Pavilhão do Relógio, chamado de Pavilhão da Peste por sediar atividades ligadas à peste bubônica; Pombal, que funcionava como biotério de pequenos animais; aquário, conectado ao mar para estudos de microrganismos aquáticos; e Casa de Chá, que servia de refeitório para os cientistas.
Com exceção do aquário, demolido nos anos 1960, depois que o campus de Manguinhos perdeu a conexão com o mar, as edificações encontram-se tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e ArtÃstico Nacional (Iphan) e abertas à visitação. Atualmente, o Castelo abriga a direção do IOC, a presidência da Fiocruz e as sedes da Coleção Entomológica do IOC e da revista cientÃfica 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz', entre outros setores.
Estande do "Instituto de Patologia Experimental do Rio de Janeiro, Instituto de Manguinhos, Brasil", exibido em Berlim, em 1907, que foi premiado com a medalha de outro do evento. Fotos: Acervo COC/Fiocruz e Peter Ilicciev/Fiocruz Imagens. Arte: João Veras
Em 1907, o Instituto Soroterápico conquistou a medalha de ouro na exposição do XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Berlim. A instituição foi a única representante da América do Sul entre cerca de 120 expositores de 20 paÃses. A mostra de Manguinhos contemplou as bem-sucedidas ações de combate à febre amarela no Rio de Janeiro, informações sobre a cidade e atividades cientÃficas do Instituto, que foram consideradas o ponto alto do estande, com filas para observar os materiais sobre doenças tropicais, como peças anatomopatológicas e exemplares da coleção de insetos. A medalha de ouro foi entregue pela imperatriz da Alemanha a Oswaldo Cruz.
A honraria foi um ponto de virada para o reconhecimento no Brasil. O projeto que transformava o Instituto Soroterápico Federal em Instituto de Patologia Experimental, adormecido há longo tempo no parlamento, foi rapidamente votado e sancionado, reconhecendo as atribuições de ensino, pesquisa e produção. Em março de 1908, o Ministério da Justiça aprovou o novo regimento da instituição, que foi nomeada Instituto Oswaldo Cruz.
Henrique da Rocha Lima e Ezequiel Dias realizando inoculação em cavalo, em 1904. Cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, em frente à casa de chá. Da esquerda para direita, de pé: Arthur Neiva, Rocha Lima, Figueiredo de Vasconcelos, Henrique Aragão, Alcides Godoy; sentados: Carlos Chagas, José Gomes de Faria, Antônio Cardoso Fontes, Gustav Giemsa, Oswaldo Cruz, Stanislas Von Prowazek e Adolpho Lutz. Fotos: J. Pinto/Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
A equipe nomeada para o corpo técnico do IOC em 1908 contava com dez cientistas. Eram eles: o diretor, Oswaldo Cruz; os chefes de serviço, Henrique Figueiredo de Vasconcellos e Henrique da Rocha Lima; e os assistentes, Ezequiel Dias, Antonio Cardoso Fontes, Carlos Chagas, Henrique Aragão, Alcides Godoy e Arthur Neiva. No cargo administrativo de escriturário-arquivista figurava José Gomes de Faria. No mesmo ano, a equipe foi reforçada com o ingresso de Adolpho Lutz.
À exceção de Lutz que chegou como renomado pesquisador, aos 52 anos, todos os demais ingressaram no Instituto na faixa dos 20 anos, em muitos casos, como estudantes de medicina. Foi esta jovem equipe que estabeleceu a fabricação de diversos produtos para doenças humanas e veterinárias, criou produtos novos e liderou as primeiras pesquisas originais de Manguinhos, incluindo achados de alta relevância, como a descoberta do ciclo evolutivo de parasito do pombo, feita por Henrique Aragão, que teve enorme repercussão internacional e abriu caminho para a compreensão do desenvolvimento do parasito da malária. Com o prestÃgio, o IOC atraiu cientistas estrangeiros importantes, como os alemães Gustav Giemsa e Stanislas Von Prowazek.
Alunos e professores do Curso de Aplicação do IOC ao longo dos anos. Em sentido horário, a partir do alto a esquerda: turmas de 1911, 1967 e 1945. Fotos: Acervo Casca de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Arte: João Veras
A criação do ‘Curso de Aplicação’ do IOC, em 1908, representou a formalização do ensino na instituição e a primeira experiência de pós-graduação do Brasil. O Instituto atuava no ensino desde o começo de suas atividades. As primeiras defesas de teses de estudantes de medicina produzidas no IOC ocorreram em 1901 e os primeiros cursos informais foram criados em 1903. Atualmente, o IOC contabiliza mais de 4 mil mestres e doutores formados em seus sete Programas de Pós-graduação.
O 'Curso de Aplicação' foi idealizado por Oswaldo Cruz a partir de sua experiência no Instituto Pasteur, na França, e moldado também pela influência de pesquisadores do IOC ligados à s escolas alemã e suÃça de microbiologia. A abordagem ampla e prática, com alto grau de exigência, foi uma marca da capacitação, que recebeu as primeiras mulheres na década de 1920. Grande parte dos paÃses da América Latina enviou alunos para a formação no IOC. De 1908 a 1970, o curso titulou cerca de 400 profissionais, capacitando especialistas para os quadros do IOC e de outras instituições de pesquisa no Brasil e no exterior.
Processo de embalagem da vacina contra a peste da manqueira em 1920 e reprodução do selo de produto fabricado pelo IOC. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
Patenteada em 1908, a vacina contra a peste da manqueira, desenvolvida por Alcides Godoy, foi a primeira vacina veterinária brasileira para doenças infecciosas. Na época, a doença, também conhecida como carbúnculo sintomático, dizimava 40 a 80% dos bezerros na América do Sul. A invenção foi registrada com cessão de direitos ao IOC, ficando o pesquisador com um pequeno percentual da remuneração obtida com a venda do imunizante. Dessa forma, a inovação se tornou um motor para o Instituto, contribuindo para o custeio de diversas despesas.
Outras abordagens originais foram desenvolvidos pelo IOC na época, como a vacina contra a espirilose das galinhas, criada por Henrique Aragão, e o tratamento da leishmaniose com tártaro emético, proposto por Gaspar Vianna. Atualmente, o IOC tem mais de 27 tecnologias protegidas, com 66 patentes concedidas, além de 47 pedidos de patentes em tramitação. Entre as inovações, está a primeira vacina contra a esquistossomose, que representa também a primeira vacina do mundo contra um verme. Em 2023, os testes clÃnicos de fase 2 foram concluÃdos, abrindo caminho para a fase 3 de avaliação, que buscará confirmar sua segurança e eficácia com vistas à pré-qualificação junto à OMS.
Carlos Chagas atendendo a menina Rita em frente ao vagão de trem que servia de alojamento e laboratório em Lassance, Minas Gerais. Abaixo, o cientista (sentado à direita) ao lado de Belisário Penna e da equipe que trabalhava nas obras da Estrada de Ferro Central do Brasil na região. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
A descoberta da doença de Chagas, em 1909, representou um marco para o IOC, a ciência e a saúde pública. Carlos Chagas foi o primeiro pesquisador a descrever o ciclo completo de uma doença, com a identificação do parasito, seu vetor, hospedeiros e agravo causado por ele. Em abril, o achado foi anunciado na Academia Nacional de Medicina, com nota prévia no periódico Brazil-Médico. Em agosto, um artigo emblemático sobre o ciclo completo da doença foi publicado na revista cientÃfica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’, recém-lançada.
Mais de 115 anos depois do achado, estima-se que há 7 milhões de pessoas infectadas pelo parasito Trypanosoma cruzi no mundo. Em 2019, o dia 14 de abril, data em que Carlos Chagas identificou o parasito na menina Berenice, em Lassance, Minas Gerais, foi declarado como Dia Mundial de Chagas pela OMS, com objetivo de enfrentar a invisibilidade e negligenciamento. Atuando de forma ininterrupta contra o agravo, o IOC lançou iniciativas recentes para aprimorar o controle do vetor, o diagnóstico, o tratamento e a conscientização sobre a doença.
Segundo volume da revista 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz', publicado em agosto de 1909, que inclui artigo de Carlos Chagas sobre a nova ‘tripanozomiaze humana’, com ilustrações de Manoel Castro Silva, como a figura do barbeiro. Fotos: Josué Damacena. Arte: João Veras
Lançada em 1909, a revista cientÃfica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’ já publicou mais de 7 mil artigos. O periódico foi criado com objetivo de divulgar as pesquisas realizadas no IOC e publicou importantes estudos logo nos seus primeiros anos, incluindo a evidência inédita de resistência do Plasmodium vivax, parasito causador da malária, ao medicamento quinina, publicada por Arthur Neiva em 1910, além da descrição do ciclo completo da doença de Chagas. Com alta qualidade, artigos em dois idiomas e riqueza de ilustrações, 'Memórias’ obteve prestÃgio dentro e fora do Brasil.
A circulação da revista foi suspensa apenas uma vez: de 1977 a 1979, durante ditadura militar, que cassou dez pesquisadores do IOC. A publicação foi retomada em 1980, em novo formato. Como revista cientÃfica internacional, o periódico consolidou-se entre os mais relevantes em parasitologia e medicina tropical. Também foi um dos primeiros do mundo com versão online, permanecendo, sempre, como publicação de acesso aberto de nÃvel diamante, sem cobrança de taxas para leitores ou autores.
Registros das expedições cientÃficas entre 1911 e 1912: a partir do alto à esquerda, em sentido horário, engenho de cana da Fazenda do Serrote, em Caracol, PiauÃ; membros da expedição cientÃfica no Vale do Tocantins; acampamento à margem de uma lagoa em Bebe-Mijo, PiauÃ; distribuição de água na Estrada de Ferro São Francisco em Itumerim, Bahia. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
As expedições cientÃficas do IOC ampliaram o conhecimento sobre as doenças tropicais, a biodiversidade e as condições de vida no interior do Brasil. Algumas das maiores caravanas ocorreram entre 1910 e 1913, passando pelo Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nos anos seguintes, as comitivas se estenderam para o pantanal e paÃses da América do Sul. Os cientistas investigaram o quadro de doenças da população, realizando exames em laboratórios improvisados, e coletaram insetos e plantas. Observaram também os hábitos, condições de moradia, saneamento, trabalho, alimentação e assistência médica. Documentados com muitas fotografias, os relatos dessas viagens chamaram atenção no paÃs.
A formação de sanitaristas combativos foi um legado destas iniciativas, ao lado das descobertas cientÃficas e do acervo de materiais biológicos coletados. A tradição de atuação em campo se manteve viva no IOC ao longo dos anos, como evidenciam iniciativas de expedições contemporâneas e o levantamento de 2024 que mapeou atuação de 45% dos laboratórios do Instituto em pesquisas no bioma amazônico.
A partir do alto: exemplar de ‘Dioctophyma renale’, popularmente conhecido como verme gigante do rim, coletado em 1913, preservado na Coleção Helmintológica; coração estudado pelo pesquisador Emmanuel Dias, depositado na Coleção da Seção de Anatomia Patológica; espécime tipo, no qual Arthur Neiva baseou a descrição da espécie Triatoma brasiliensis, em 1911, mantido na Coleção Entomológica; amostras históricas conservadas em sua técnica original na Coleção de Fungos. Fotos: Gutemberg Brito. Arte: João Veras
Desde o começo das atividades em Manguinhos, o hábito dos cientistas de preservar amostras como testemunho de pesquisas e material para futuros estudos deu origem a um precioso patrimônio: as coleções biológicas do IOC. Até hoje, o espécime do inseto transmissor da malária Anopheles lutzii, descrito por Oswaldo Cruz, no primeiro artigo do Instituto de Manguinhos, em 1901, permanece na Coleção Entomológica, que é a maior da América Latina.
Entre os materiais com mais de cem anos nos acervos da instituição estão amostras de órgãos analisados em necropsias por Henrique da Rocha Lima em 1903, carrapatos do acervo de Henrique Aragão de 1909, maruins coletados por Adolpho Lutz em 1912, vermes identificados por José Gomes de Faria e Lauro Travassos em 1913 e fungos trazidos dos Estados Unidos por Olympio da Fonseca em 1922. Ao todo, o IOC mantém 20 coleções biológicas, com milhões de amostras, que preservam a memória epidemiológica dos agravos, além de contribuir para o conhecimento sobre a biodiversidade e novas pesquisas em saúde pública.​
Na próxima reportagem da série especial ‘Linha do tempo: IOC 125 anos’, que aborda os anos 1925 a 1950, conheça mulheres que foram pioneiras na pesquisa no Instituto e confira contribuições importantes para a ciência e a saúde pública.
:: Veja as principais referências bibliográficas consultadas para a produção da 'Linha do tempo: IOC 125 anos'.
:: Confira outras matérias sobre os 125 anos do IOC na página especial do Jubileu Secular de Prata.
A história do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) começou em 25 de maio de 1900, com a criação do Instituto Soroterápico Federal para combater a peste. Tendo a liderança de Oswaldo Cruz e uma pequena equipe de jovens cientistas, a instituição fundada para produzir soro e vacina foi transformada num centro de medicina experimental inédito no Brasil.
Na primeira reportagem da série especial Linha do tempo: IOC 125 anos, conheça alguns marcos dos primeiros anos do IOC, que incluem descobertas cientÃficas, pioneirismo no ensino, expedições ao interior do paÃs e a construção de um castelo para a ciência, entre outros fatos.Â
Vista das instalações do Instituto Soroterápico Federal por volta de 1900 a 1903. Ao centro laboratório, à direita cocheira e à esquerda o biotério. Foto: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
Em outubro de 1899, uma epidemia de peste foi diagnosticada em Santos. A doença era temida há séculos, mas a recente criação de soro e vacina contra o agravo permitiam um novo enfrentamento através da ciência. Para produzir os antÃdotos, a prefeitura do Rio de Janeiro decidiu criar o Instituto Soroterápico. O cirurgião barão de Pedro Affonso, proprietário do Instituto VacÃnico, que produzia vacina contra a varÃola, foi nomeado diretor geral do órgão e convidou Oswaldo Cruz para a direção técnica. O jovem médico tinha retornado há pouco de longo estágio no Instituto Pasteur, na França, e atuara no diagnóstico da peste em Santos.
A sede da instituição foi estabelecida na Fazenda de Manguinhos, um antigo engenho de açúcar, sendo os primeiros laboratórios montados em duas casas da propriedade. Transferido para gestão da União, o Instituto Soroterápico Federal entrou em atividade no dia 25 de maio de 1900. Em apenas seis meses, foi estabelecida a produção de soro e vacina contra a peste. Preparados por uma pequena equipe, com métodos aprimorados por Oswaldo Cruz, os imunobiológicos foram internacionalmente reconhecidos como excelentes.Â
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Oswaldo Cruz ao microscópio em laboratório de Manguinhos, em 1910, observado por seu filho Bento Oswaldo Cruz e por Burle de Figueiredo, em registro feito pelo fotógrafo J. Pinto. Aos 29 anos, em retrato de 1901. Durante sessão cientÃfica no Instituto Soroterápico Federal, em 1904. Ex-libris utilizado para marcar os livros do cientista, com a inscrição 'fé eterna na sciencia'. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
Em 1902, aos 30 anos, Oswaldo Cruz assumiu a direção geral do Instituto Soroterápico, após a renúncia do barão de Pedro Affonso. No ano seguinte, tornou-se diretor geral de Saúde Pública do Brasil. Acumulando as funções, liderou simultaneamente as ações para controlar a febre amarela, a varÃola e a peste na capital federal e a transformação do Instituto Soroterápico num centro de medicina experimental inédito no Brasil, integrando ensino, pesquisa e produção.
Em meio à atividade intensa das campanhas sanitárias, Oswaldo ia três vezes por semana a Manguinhos para supervisionar as atividades. Foi o autor dos primeiros artigos cientÃficos publicados e o orientador das primeiras teses produzidas no local. Em relatórios oficiais, defendia a importância de gerar conhecimentos originais para resolver os problemas de saúde pública do Brasil.
O cientista permaneceu à frente da Instituição até 1917, liderando a criação da revista cientÃfica 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’ e do 'Curso de Aplicação'. Se afastou da função devido à doença renal, que causou sua morte precoce, aos 44 anos. Além das contribuições cientÃficas pessoais, deixou como legado uma instituição reconhecida dentro e fora do paÃs e uma geração de discÃpulos, que se tornaram expoentes da ciência.Â
Vista do Pavilhão Mourisco entre 1910 e 1920 em foto feita por J. Pinto. O Castelo cercado pelas construções do núcleo arquitetônico histórico de Manguinhos, em 1919. Desenho elaborado por Oswaldo Cruz entregue a Luiz de Moraes Júnior. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
ConstruÃdo entre 1905 e 1918, o Pavilhão Mourisco, também conhecido como Castelo de Manguinhos, foi idealizado por Oswaldo Cruz e projetado pelo arquiteto português Luiz de Moraes Júnior. O estilo mourisco foi escolhido por Oswaldo, que desenhou esboços do edifÃcio. Moraes Júnior criou um Ãcone da arquitetura eclética, modernamente equipado, para abrigar laboratórios, escritórios, biblioteca e museu de coleções biológicas, além de estúdio fotográfico, tipografia, oficinas e dormitórios.
O primeiro conjunto arquitetônico do campus inclui também: Cavalariça, onde ficavam os cavalos para produção de soros; Pavilhão do Relógio, chamado de Pavilhão da Peste por sediar atividades ligadas à peste bubônica; Pombal, que funcionava como biotério de pequenos animais; aquário, conectado ao mar para estudos de microrganismos aquáticos; e Casa de Chá, que servia de refeitório para os cientistas.
Com exceção do aquário, demolido nos anos 1960, depois que o campus de Manguinhos perdeu a conexão com o mar, as edificações encontram-se tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e ArtÃstico Nacional (Iphan) e abertas à visitação. Atualmente, o Castelo abriga a direção do IOC, a presidência da Fiocruz e as sedes da Coleção Entomológica do IOC e da revista cientÃfica 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz', entre outros setores.Â
Estande do "Instituto de Patologia Experimental do Rio de Janeiro, Instituto de Manguinhos, Brasil", exibido em Berlim, em 1907, que foi premiado com a medalha de outro do evento. Fotos: Acervo COC/Fiocruz e Peter Ilicciev/Fiocruz Imagens. Arte: João Veras
Em 1907, o Instituto Soroterápico conquistou a medalha de ouro na exposição do XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Berlim. A instituição foi a única representante da América do Sul entre cerca de 120 expositores de 20 paÃses. A mostra de Manguinhos contemplou as bem-sucedidas ações de combate à febre amarela no Rio de Janeiro, informações sobre a cidade e atividades cientÃficas do Instituto, que foram consideradas o ponto alto do estande, com filas para observar os materiais sobre doenças tropicais, como peças anatomopatológicas e exemplares da coleção de insetos. A medalha de ouro foi entregue pela imperatriz da Alemanha a Oswaldo Cruz.
A honraria foi um ponto de virada para o reconhecimento no Brasil. O projeto que transformava o Instituto Soroterápico Federal em Instituto de Patologia Experimental, adormecido há longo tempo no parlamento, foi rapidamente votado e sancionado, reconhecendo as atribuições de ensino, pesquisa e produção. Em março de 1908, o Ministério da Justiça aprovou o novo regimento da instituição, que foi nomeada Instituto Oswaldo Cruz.Â
Henrique da Rocha Lima e Ezequiel Dias realizando inoculação em cavalo, em 1904. Cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, em frente à casa de chá. Da esquerda para direita, de pé: Arthur Neiva, Rocha Lima, Figueiredo de Vasconcelos, Henrique Aragão, Alcides Godoy; sentados: Carlos Chagas, José Gomes de Faria, Antônio Cardoso Fontes, Gustav Giemsa, Oswaldo Cruz, Stanislas Von Prowazek e Adolpho Lutz. Fotos: J. Pinto/Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
A equipe nomeada para o corpo técnico do IOC em 1908 contava com dez cientistas. Eram eles: o diretor, Oswaldo Cruz; os chefes de serviço, Henrique Figueiredo de Vasconcellos e Henrique da Rocha Lima; e os assistentes, Ezequiel Dias, Antonio Cardoso Fontes, Carlos Chagas, Henrique Aragão, Alcides Godoy e Arthur Neiva. No cargo administrativo de escriturário-arquivista figurava José Gomes de Faria. No mesmo ano, a equipe foi reforçada com o ingresso de Adolpho Lutz.
À exceção de Lutz que chegou como renomado pesquisador, aos 52 anos, todos os demais ingressaram no Instituto na faixa dos 20 anos, em muitos casos, como estudantes de medicina. Foi esta jovem equipe que estabeleceu a fabricação de diversos produtos para doenças humanas e veterinárias, criou produtos novos e liderou as primeiras pesquisas originais de Manguinhos, incluindo achados de alta relevância, como a descoberta do ciclo evolutivo de parasito do pombo, feita por Henrique Aragão, que teve enorme repercussão internacional e abriu caminho para a compreensão do desenvolvimento do parasito da malária. Com o prestÃgio, o IOC atraiu cientistas estrangeiros importantes, como os alemães Gustav Giemsa  e Stanislas Von Prowazek.Â
Alunos e professores do Curso de Aplicação do IOC ao longo dos anos. Em sentido horário, a partir do alto a esquerda: turmas de 1911, 1967 e 1945. Fotos: Acervo Casca de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Arte: João Veras
A criação do ‘Curso de Aplicação’ do IOC, em 1908, representou a formalização do ensino na instituição e a primeira experiência de pós-graduação do Brasil. O Instituto atuava no ensino desde o começo de suas atividades. As primeiras defesas de teses de estudantes de medicina produzidas no IOC ocorreram em 1901 e os primeiros cursos informais foram criados em 1903. Atualmente, o IOC contabiliza mais de 4 mil mestres e doutores formados em seus sete Programas de Pós-graduação.
O 'Curso de Aplicação' foi idealizado por Oswaldo Cruz a partir de sua experiência no Instituto Pasteur, na França, e moldado também pela influência de pesquisadores do IOC ligados à s escolas alemã e suÃça de microbiologia. A abordagem ampla e prática, com alto grau de exigência, foi uma marca da capacitação, que recebeu as primeiras mulheres na década de 1920. Grande parte dos paÃses da América Latina enviou alunos para a formação no IOC. De 1908 a 1970, o curso titulou cerca de 400 profissionais, capacitando especialistas para os quadros do IOC e de outras instituições de pesquisa no Brasil e no exterior. Â
Processo de embalagem da vacina contra a peste da manqueira em 1920 e reprodução do selo de produto fabricado pelo IOC. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
Patenteada em 1908, a vacina contra a peste da manqueira, desenvolvida por Alcides Godoy, foi a primeira vacina veterinária brasileira para doenças infecciosas. Na época, a doença, também conhecida como carbúnculo sintomático, dizimava 40 a 80% dos bezerros na América do Sul. A invenção foi registrada com cessão de direitos ao IOC, ficando o pesquisador com um pequeno percentual da remuneração obtida com a venda do imunizante. Dessa forma, a inovação se tornou um motor para o Instituto, contribuindo para o custeio de diversas despesas.
Outras abordagens originais foram desenvolvidos pelo IOC na época, como a vacina contra a espirilose das galinhas, criada por Henrique Aragão, e o tratamento da leishmaniose com tártaro emético, proposto por Gaspar Vianna. Atualmente, o IOC tem mais de 27 tecnologias protegidas, com 66 patentes concedidas, além de 47 pedidos de patentes em tramitação. Entre as inovações, está a primeira vacina contra a esquistossomose, que representa também a primeira vacina do mundo contra um verme. Em 2023, os testes clÃnicos de fase 2 foram concluÃdos, abrindo caminho para a fase 3 de avaliação, que buscará confirmar sua segurança e eficácia com vistas à pré-qualificação junto à OMS.Â
Carlos Chagas atendendo a menina Rita em frente ao vagão de trem que servia de alojamento e laboratório em Lassance, Minas Gerais. Abaixo, o cientista (sentado à direita) ao lado de Belisário Penna e da equipe que trabalhava nas obras da Estrada de Ferro Central do Brasil na região. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
A descoberta da doença de Chagas, em 1909, representou um marco para o IOC, a ciência e a saúde pública. Carlos Chagas foi o primeiro pesquisador a descrever o ciclo completo de uma doença, com a identificação do parasito, seu vetor, hospedeiros e agravo causado por ele. Em abril, o achado foi anunciado na Academia Nacional de Medicina, com nota prévia no periódico Brazil-Médico. Em agosto, um artigo emblemático sobre o ciclo completo da doença foi publicado na revista cientÃfica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’, recém-lançada.
Mais de 115 anos depois do achado, estima-se que há 7 milhões de pessoas infectadas pelo parasito Trypanosoma cruzi no mundo. Em 2019, o dia 14 de abril, data em que Carlos Chagas identificou o parasito na menina Berenice, em Lassance, Minas Gerais, foi declarado como Dia Mundial de Chagas pela OMS, com objetivo de enfrentar a invisibilidade e negligenciamento. Atuando de forma ininterrupta contra o agravo, o IOC lançou iniciativas recentes para aprimorar o controle do vetor, o diagnóstico, o tratamento e a conscientização sobre a doença.Â
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Segundo volume da revista 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz', publicado em agosto de 1909, que inclui artigo de Carlos Chagas sobre a nova ‘tripanozomiaze humana’, com ilustrações de Manoel Castro Silva, como a figura do barbeiro. Fotos: Josué Damacena. Arte: João Veras
Lançada em 1909, a revista cientÃfica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’ já publicou mais de 7 mil artigos. O periódico foi criado com objetivo de divulgar as pesquisas realizadas no IOC e publicou importantes estudos logo nos seus primeiros anos, incluindo a evidência inédita de resistência do Plasmodium vivax, parasito causador da malária, ao medicamento quinina, publicada por Arthur Neiva em 1910, além da descrição do ciclo completo da doença de Chagas. Com alta qualidade, artigos em dois idiomas e riqueza de ilustrações, 'Memórias’ obteve prestÃgio dentro e fora do Brasil.
A circulação da revista foi suspensa apenas uma vez: de 1977 a 1979, durante ditadura militar, que cassou dez pesquisadores do IOC. A publicação foi retomada em 1980, em novo formato. Como revista cientÃfica internacional, o periódico consolidou-se entre os mais relevantes em parasitologia e medicina tropical. Também foi um dos primeiros do mundo com versão online, permanecendo, sempre, como publicação de acesso aberto de nÃvel diamante, sem cobrança de taxas para leitores ou autores.Â
Registros das expedições cientÃficas entre 1911 e 1912: a partir do alto à esquerda, em sentido horário, engenho de cana da Fazenda do Serrote, em Caracol, PiauÃ; membros da expedição cientÃfica no Vale do Tocantins; acampamento à margem de uma lagoa em Bebe-Mijo, PiauÃ; distribuição de água na Estrada de Ferro São Francisco em Itumerim, Bahia. Fotos: Acervo COC/Fiocruz. Arte: João Veras
As expedições cientÃficas do IOC ampliaram o conhecimento sobre as doenças tropicais, a biodiversidade e as condições de vida no interior do Brasil. Algumas das maiores caravanas ocorreram entre 1910 e 1913, passando pelo Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nos anos seguintes, as comitivas se estenderam para o pantanal e paÃses da América do Sul. Os cientistas investigaram o quadro de doenças da população, realizando exames em laboratórios improvisados, e coletaram insetos e plantas. Observaram também os hábitos, condições de moradia, saneamento, trabalho, alimentação e assistência médica. Documentados com muitas fotografias, os relatos dessas viagens chamaram atenção no paÃs.
A formação de sanitaristas combativos foi um legado destas iniciativas, ao lado das descobertas cientÃficas e do acervo de materiais biológicos coletados. A tradição de atuação em campo se manteve viva no IOC ao longo dos anos, como evidenciam iniciativas de expedições contemporâneas e o levantamento de 2024 que mapeou atuação de 45% dos laboratórios do Instituto em pesquisas no bioma amazônico. Â
A partir do alto: exemplar de ‘Dioctophyma renale’, popularmente conhecido como verme gigante do rim, coletado em 1913, preservado na Coleção Helmintológica; coração estudado pelo pesquisador Emmanuel Dias, depositado na Coleção da Seção de Anatomia Patológica; espécime tipo, no qual Arthur Neiva baseou a descrição da espécie Triatoma brasiliensis, em 1911, mantido na Coleção Entomológica; amostras históricas conservadas em sua técnica original na Coleção de Fungos. Fotos: Gutemberg Brito. Arte: João Veras
Desde o começo das atividades em Manguinhos, o hábito dos cientistas de preservar amostras como testemunho de pesquisas e material para futuros estudos deu origem a um precioso patrimônio: as coleções biológicas do IOC. Até hoje, o espécime do inseto transmissor da malária Anopheles lutzii, descrito por Oswaldo Cruz, no primeiro artigo do Instituto de Manguinhos, em 1901, permanece na Coleção Entomológica, que é a maior da América Latina.
Entre os materiais com mais de cem anos nos acervos da instituição estão amostras de órgãos analisados em necropsias por Henrique da Rocha Lima em 1903, carrapatos do acervo de Henrique Aragão de 1909, maruins coletados por Adolpho Lutz em 1912, vermes identificados por José Gomes de Faria e Lauro Travassos em 1913 e fungos trazidos dos Estados Unidos por Olympio da Fonseca em 1922. Ao todo, o IOC mantém 20 coleções biológicas, com milhões de amostras, que preservam a memória epidemiológica dos agravos, além de contribuir para o conhecimento sobre a biodiversidade e novas pesquisas em saúde pública.​Â
Na próxima reportagem da série especial ‘Linha do tempo: IOC 125 anos’, que aborda os anos 1925 a 1950, conheça mulheres que foram pioneiras na pesquisa no Instituto e confira contribuições importantes para a ciência e a saúde pública.
:: Veja as principais referências bibliográficas consultadas para a produção da 'Linha do tempo: IOC 125 anos'.
:: Confira outras matérias sobre os 125 anos do IOC na página especial do Jubileu Secular de Prata.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)